Temer recebeu R$ 15 milhões para a aliados e ‘roubou’ R$ 1 milhão, diz delator

Em delação premiada, o diretor da JBS Ricardo Saud afirmou que o presidente Michel Temer pediu e recebeu R$ 15 milhões do grupo empresarial para distribuir entre aliados em 2014, ano de corrida eleitoral. Ele relatou também que Temer “roubou” R$ 1 milhão para ele próprio. Ou seja, o atual presidente guardou o dinheiro, em vez de gastá-lo na campanha.

O dinheiro saiu da “conta corrente” mantida pelo PT na JBS, que chegava a R$ 300 milhões e era alimentada por recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BDNES) e dos fundos de pensão.

O dinheiro destinado especificamente para o então vice-presidente foi entregue, “conforme orientação direta e específica de Temer”, na empresa Argeplan, Arquitetura e Engenharia, em São Paulo, em 2 de setembro de 2014. Quem recebeu o dinheiro foi um dos donos, o coronel aposentado da Polícia Militar (PM) paulista João Baptista Lima Filho, amigo de Temer. As informações são de O Globo.

— Nesse caso aqui inclusive tem uma passagem interessante, porque o Michel Temer fez uma coisa até muito deselegante. Nessa eleição, eu vi só dois caras roubar dele mesmo. Um foi o (ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto) Kassab e outro foi o Temer. O Temer me deu um papelzinho e falou: ó, Ricardo, tem R$ 1 milhão que eu quero que você entregue em dinheiro nesse endereço aqui. E me deu o endereço — disse Saud em depoimento prestado em 5 de maio, acrescentando:

— O dinheiro vem do BNDES, vem dos fundos. E usou para a campanha da vice-presidência. Então o dinheiro era do PT. O PT deu para o presidente Temer para usar na campanha de vice. E assim foi feito. E não satisfeito, ainda guardou R$ 1 milhão pra ele no bolso — contou Saud.

Dos R$ 15 milhões, Saud contou também que R$ 2 milhões foram repassados para Paulo Skaf, que concorria ao governo de São Paulo, por meio de caia dois; R$ 9 milhões foram dissimulados em doações oficiais ao diretório nacional do PMDB, que depois repassaria para os estados; e R$ 3 milhões foram para o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Saud disse, em depoimento, que Temer “atuou em diversas oportunidades em favor dos interesses das empresas do grupo”. E apontou como exemplo a construção de um terminal de cargas no Porto de Santos tocada pela Eldorado, controlada pela empresa. Saud disse que visitou Temer no anexo do Palácio do Planalto em 2014 e pediu ajuda para retirar o embargo do obra, o que ocorreu uma semana depois.

Até conseguir a liberação dos R$ 15 milhões, Temer penou. Saud relatou que, na eleição de 2014, havia um grupo de senadores do PMDB ameaçando apoiar a candidatura do tucano Aécio Neves, e não da presidente Dilma Rousseff, do PT, que tentava a reeleição. Temer era o vice da petista na época. Para contornar o problema e evitar uma derrota, o PT resolveu liberar R$ 35 milhões de sua “conta corrente” para os peemedebistas, passando por cima da intermediação que seria feita pelo próprio Temer. O então vice-presidente se irritou.

— E aí ele ficou muito indignado. “Como pode isso, como é que é isso, Ricardo? Não tô entendendo isso. O PMDB tem que passar por mim, uai. Eu vou reassumir o PMDB” — contou Saud.

Segundo o delator, poucos dias depois, Temer reassumiu a presidência do partido para evitar perder o controle da legenda. De novo no comando do PMDB, ele chamou o delator para outra reunião e perguntou o que o PT tinha reservado para ele. A resposta de Saud o irritou mais uma vez.

— Eu falei: ó, Temer, por enquanto não mandaram nada, o senhor vai lá conversar, porque não tem nada aqui do… por enquanto não tem nada pro senhor. Acho que o PT está entendendo que o senhor é vice e vai arranjar dinheiro para o senhor. Ele falou: não, uai, eu entrei nisso aqui, já trouxe o PMDB inteiro, uai, vão ter que dar dinheiro pra minha campanha — afirmou Saud.

Em nova reunião, Temer se frustrou novamente com o PT.

— Ele chamou e falou: Ricardo, o pessoal do PT vai mandar 15 milhões pra mim, pra minha campanha, tá tudo certo? Eu falei: não, nada, tudo errado, eles não deram nada para o senhor até agora. “Mas não pode, eu estou esperando lá esse dinheiro, não sei o que, como é que vou fazer com isso, tal.” Eu falei: bom, não sei, eu vou conversar com Joesley, vou pedir para o Joesley ver se ele está sabendo de alguma coisa pro senhor, porque não chegou nada — contou Saud, em referência a Joesley Batista, dono da JBS.

Depois disso, o delator disse ter se reunido com Edinho Silva, tesoureiro da campanha de Dilma em 2014. Só depois disso é que os R$ 15 milhões foram finalmente liberados. Temer e Saud se encontraram novamente, e o então vice-presidente pediu para ele esperar uma semana para definir exatamente o destino do dinheiro. No caso de Cunha, os R$ 3 milhões seriam para “estancar uma crise” que estava começando. Questionado que crise seria essa, Saud não soube responder. Segundo ele, Cunha reclamou do valor repassado.

— Aí nós procuramos Eduardo Cunha, ele falou: só 3 milhões, aquela coisa toda. (Eu disse:) Não, R$ 3 milhões é o que tem, você vai discutir com ele lá, eu não quero saber da história de vocês não.

As reuniões com Temer para tratar da liberação dos R$ 15 milhões ocorreram entre julho e outubro de 2014. Uma delas, a de de agosto, ocorreu no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente.

Em relação aos R$ 35 milhões destinados aos senadores, Saud contou que foram beneficiados Eduardo Braga (PMDB-AM), Jader Barbalho (PMDB-PA), Renan Calheiros (PMDB-AL), Valdir Raupp (PMDB-RO) e Vital do Rêgo (PMDB-PB). Vital é hoje ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Do total, R$ 1 milhão seriam para outra pessoa, mas os cinco acabaram dividindo o dinheiro entre eles.

— Tinha 1 milhão para Kátia Abreu (PMDB-TO). Mas esse 1 milhão a Kátia nunca recebeu, ficou tudo para eles lá. Eles separaram o deles e me chamaram lá, como descrito no passado aqui. Eu ia: ó, faz isso hoje, faz aquilo, tal. Tudo é propina, tudo dissimulado em forma de doação oficial, notas fiscais e dinheiro vivo — contou Saud.

Em nota, Paulo Skaf disse que sua campanha ao governo de São Paulo, em 2014, “não recebeu nenhum tostão do grupo JBS”. Acrescenta que “também não houve autorização para que ninguém solicitasse valores ao grupo. Todos os gastos e doações da campanha foram declarados à Justiça Eleitoral e constam da prestação de contas apresentada ao Tribunal Regional Eleitoral em 2014, aprovada sem nenhum reparo”.

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