A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, condenou nesta terça-feira (22) o ex-procurador da República Deltan Dallagnol ao pagamento de indenização por danos morais de R$ 75 mil ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em razão de entrevista coletiva concedida em 2016, no qual utilizou o programa de computador PowerPoint para explicar denúncia apresentada contra o líder do PT na Operação Lava Jato.

Para o colegiado, o ex-procurador extrapolou os limites de suas funções ao utilizar qualificações desabonadoras da honra e da imagem de Lula, além de empregar linguagem não técnica ao participar da entrevista. A turma levou em consideração, ainda, que Dallagnol imputou ao ex-presidente fatos que não constavam da denúncia explicada durante a coletiva.

Além da indenização, o colegiado condenou o ex-procurador a arcar com os honorários advocatícios da parte contrária – fixados em 20% sobre o valor da condenação – e com as custas do processo.

Deltan Dallagnol participou da entrevista em setembro de 2016, para o esclarecimento da denúncia relativa ao caso do triplex do Guarujá. Na coletiva, o ex-procurador utilizou uma imagem criada no PowerPoint para apontar Lula como “maestro” e “comandante” do esquema criminoso investigado na Lava Jato.

De acordo com os advogados de Lula, Dallagnol feriu direitos de personalidade do ex-presidente em rede nacional de televisão, exercendo um juízo de culpa mesmo antes do início da ação penal, além de trazer acusações que nem sequer faziam parte da denúncia. Ainda segundo eles, a entrevista coletiva foi replicada em diversos sites do Brasil e do exterior, ampliando a dimensão do dano à imagem do ex-presidente.

Agente público incorre em abuso de direito quando excede suas prerrogativas

Em primeiro e segundo graus, a ação – na qual se pedia a condenação de Dallagnol a pagar indenização de R$ 1 milhão – foi julgada improcedente. Para o Tribunal de Justiça de São Paulo, a atuação do ex-procurador ocorreu dentro de suas funções como membro do Ministério Público Federal, não havendo abuso em sua conduta.

O relator do recurso especial de Lula, ministro Luis Felipe Salomão, explicou inicialmente que, quando o agente público pratica ato com potencial para se tornar um ilícito civil, sua condição de agente de Estado perde relevância, ainda que a conduta tenha se dado com o uso da condição pública. Nesse caso, segundo o relator, responde à ação não o ente público, mas o próprio servidor.

Salomão também destacou que, de acordo com lições da doutrina, é configurado abuso de direito quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe confere, não observa a função social do direito subjetivo e, ao exercitá-lo, causa prejuízo a outra pessoa.

Fatos apontados na entrevista não faziam parte da denúncia

No caso dos autos, Salomão apontou que o ex-procurador da República, por meio do recurso do PowerPoint, utilizou palavras que se afastavam da nomenclatura típica do direito penal e processual penal, a exemplo de “petrolão”, “propinocracia” e “governabilidade corrompida” – todas direcionadas, na apresentação, ao ex-presidente Lula.

Além disso, o relator entendeu que Dallagnol incorreu em abuso de direito ao caracterizar Lula, durante as falas na entrevista coletiva, como “comandante máximo do esquema de corrupção” e “maestro da organização criminosa”, bem como ao anunciar fatos que não faziam parte do objeto da denúncia.

“É imprescindível, para a eficiente custódia dos direitos fundamentais, que a divulgação do oferecimento de denúncia criminal se faça de forma precisa, coerente e fundamentada. Assim como a peça acusatória deve ser o espelho das investigações nas quais se alicerça, sua divulgação deve ser o espelho de seu estrito teor, balizada pelos fatos que a acusação lhe imputou, sob pena de não apenas vilipendiarem-se direitos subjetivos, mas, também, e com igual gravidade, desacreditar o sistema jurídico”, apontou o ministro, ao concluir ter havido dano moral contra o ex-presidente.

Para definição do valor de indenização, Salomão utilizou o método bifásico de cálculo, fixando, com base em julgamentos de casos semelhantes, o valor-base de R$ 50 mil. Na segunda fase de cálculo, o relator levou em consideração circunstâncias como a gravidade do fato em si, a ofensa à figura de um ex-presidente da República e a dimensão da repercussão da entrevista. Como consequência, o magistrado estabeleceu o valor definitivo da indenização em R$ 75 mil.