RN e outros Estados que tiveram massacres não usaram verba para presídios

Apenas Alagoas, Pará e Pernambuco têm projetos para criar vagas

Renata Mariz – O Globo

Palco de massacres recentes que deixaram 130 mortos neste ano, Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte ainda não apresentaram projetos finalizados de criação de vagas em presídios com uso dos recursos liberados em dezembro pelo governo federal. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça, que precisa aprovar as propostas, apenas três estados têm projetos sob análise: Alagoas, Pará e Pernambuco.

As demais unidades da Federação, aponta o relatório, ainda estão elaborando os projetos ou em fases anteriores, como definição do montante de recursos a serem usados. Cada estado recebeu cerca de R$ 32 milhões, que foram descontingenciados do saldo do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) por decisão da Justiça, especificamente para abertura de vagas no sistema carcerário. Houve também repasse de mais R$ 13 milhões para compra ou aluguel de equipamentos para as unidades prisionais.

Apesar dos dados oficiais, o secretário de Roraima, Ronan Marinho Soares, afirma que já recebeu aval do Depen para fazer um presídio novo em Boa Vista com 400 vagas. Ele destacou que o processo foi mais rápido porque o estado usou um projeto do próprio governo federal, que disponibiliza plantas arquitetônicas padronizadas. No acompanhamento do Ministério da Justiça, porém, a obra consta como “elaboração de projeto”, status que antecede a situação “em análise no Depen” para aprovação ou não.

Nenhum projeto foi ainda aprovado, segundo confirmou o Depen. A equipe técnica espera avalizar os primeiros nos próximos dias, após receber esclarecimentos adicionais solicitados. A análise é feita para checar se os projetos atendem aos parâmetros de arquitetura prisional definidos pelo Conselho Nacional de Políticas Criminais e Penitenciárias (CNPCP). A partir da aprovação, os estados podem licitar a obra custeada com o recurso federal.

Encaminhamentos de alguns estados estão parados porque pleiteiam usar o dinheiro para reformar presídios. A portaria que regulamentou a Medida Provisória 755, que previu o repasse do recurso em dezembro, incluiu a possibilidade de reformas, além de construção e ampliação de unidades. Mas, como a MP foi revogada por uma nova, editada neste ano, entende-se que a portaria perdeu a validade.~

DINHEIRO PARA OBRAS PARADAS

Se a nova regulamentação mantiver a permissão para reformas, os estados que pretendem usar o recurso dessa forma poderão ser beneficiados. Sergipe será o mais contemplado, pois quer utilizar parte dos recursos para reativar vagas de regime fechado e semiaberto no município de Areia Branca por meio de reforma.

Há outros estados querendo aplicar o dinheiro em obras de presídio iniciadas por meio de convênios antigos com o Depen e que hoje estão paradas. Essa modalidade só é permitida se o governo estadual cumprir a contrapartida exigida naquele tipo de parceria, que vai até 5% do valor total da construção.

Questionado pelo GLOBO, o Depen defendeu que não há lentidão nas análises dos projetos submetidos, mas que se trata de uma verificação importante de engenharia para evitar problemas posteriores. Três gestores estaduais afirmaram que o órgão tem sido colaborativo.

Para André Cunha, que deixou recentemente a vice-presidência do Conselho Nacional de Secretários de Administração Penitenciária, a tendência é agilizar:

— Esse tipo de repasse fundo a fundo, como ocorreu em dezembro, é novo para governo federal e estados na área prisional. É natural que haja uma fase de adaptação, normatização, dentro dos controles próprios da Administração Pública.

O governo do Amazonas, outro estado que registrou massacres, afirmou que adotou dois projetos padronizados do Depen para construir um presídio em Manacapuru e outro em Parintins. Na primeira cidade, a previsão é licitar nos próximos meses. Na segunda, ainda não há definição sobre o terreno. As duas obras constam no relatório do Depen, mas ainda sem aval definitivo.

O sistema carcerário amazonense registrou 54% dos 130 mortos em massacres dentro de presídios neste ano. Em janeiro, uma briga de facções no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, deixou 56 assassinados. Na sequência, houve mais quatro homicídios na Unidade Prisional do Puraquequara (UPP) e quatro na Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa. Em abril, a UPP teve mais cinco detentos mortos.

COMPRA DE EQUIPAMENTOS

Logo após os eventos de janeiro em Manaus, Roraima registrou um massacre com 33 mortos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista. Antes disso, em outubro passado, já haviam morrido no mesmo estabelecimento 10 detentos.

Outro estado com ocorrências semelhantes neste ano, o Rio Grande do Norte não respondeu ao contato do GLOBO sobre os projetos de construção com o recurso federal. Lá, foram ao menos 26 mortos no massacre na unidade de Alcaçuz, na região metropolitana de Natal. O presídio ficou sob controle dos presos e só foi retomado quando o governo federal atuou em conjunto com as forças locais de segurança.

Menos burocrática que as construções, a aplicação dos recursos do Funpen destinados a equipamentos vem sendo realizada de forma mais ágil pelos estados. Não há balanço preciso, ao contrário das obras, porque os processos são dinâmicos e mais independentes do Depen. O órgão deu orientações detalhadas aos estados sobre tornozeleiras eletrônicas, bloqueadores de celular, compra de viaturas, entre outros itens, para facilitar a compra ou aluguel.

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