Pressão de Bolsonaro e Salles reduziu fiscalização ambiental, dizem ex-coordenadores do Ibama

O presidente do Brasil Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles Foto: NurPhoto / Getty Images

As pressões públicas do presidente Jair Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles sobre a fiscalização ambiental do Ibama provocaram “receio” nos funcionários do órgão e a redução das atividades de fiscalização, de acordo com o depoimento de um ex-coordenador que foi demitido após os atritos com o governo federal.

Rene Luiz de Oliveira, que comandava a Coordenação Geral de Fiscalização Ambiental do Ibama, prestou depoimento ao Ministério Público Federal em investigação por improbidade administrativa contra Salles, que gerou o pedido de afastamento do ministro enviado à Justiça Federal nesta semana. Seu subordinado no órgão, Hugo Loss, que foi coordenador de operação e fiscalização, também foi ouvido pelos investigadores na mesma ocasião, em um depoimento por videoconferência, realizado no último dia 29 de maio.

As 13 páginas do depoimento conjunto, enviadas à Justiça Federal e obtidas pelo GLOBO, descrevem com detalhes as pressões do governo Bolsonaro para desmontar a fiscalização ambiental. Trata-se de mais uma área com indícios de interferências indevidas do presidente — já há um inquérito em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre interferências na Polícia Federal e uma investigação na primeira instância sobre pressões para mudar uma portaria do Exército de compra de armas e munições.

De acordo com o relato de Rene, a gestão Salles nomeou pessoas sem perfil de fiscalização para atuar nas divisões técnico-ambientais das superintendências estaduais do Ibama e deixou cargos em aberto, apenas com nomes interinos, o que foi sucateando a atividade ao longo do ano de 2019. Aliado a isso, ele afirma que houve cortes no orçamento e diminuição do efetivo de fiscais ambientais do órgão. Tudo isso teria contribuído para uma queda no número de autos de infração no ano passado e uma diminuição da atividade de fiscalização.

No depoimento, os ex-coordenadores citam um episódio de abril de 2019 como simbólico pela pressão pública exercida por Bolsonaro na atividade de fiscalização do órgão e que provocou receio para que os fiscais realizassem seus trabalhos. Na ocasião, Bolsonaro gravou um vídeo com o senador Marcos Rogério (PDT-RO) fazendo críticas a uma ação de fiscalização do Ibama em Rondônia que destruiu maquinário usado no desmatamento, prática prevista em lei. No registro, o presidente afirma que Salles determinou a abertura de processo administrativo para apurar o assunto e disse que a orientação do governo não era destruir maquinário.

Segundo Hugo Loss, a pressão exercida por Bolsonaro no episódio provocou “receio” nos funcionários do Ibama e eles paralisaram ações de destruição de maquinário nos meses seguintes, temendo represália das autoridades.

“Uma dificuldade muito grande que a gente teve desde o ano passado foi a questão envolvendo destruição de maquinário pesado flagrado em ilícitos ambientais. Teve até servidor nosso que por pouco teve que se defender administrativamente por ter aplicado a lei e destruído maquinário. Em 2019, a Dipro (Diretoria de Proteção Ambiental) chegou até a dizer pra gente que não era pra destruir. Teve também declarações em vídeo do Presidente da República que não podíamos destruir, que a destruição iria ser apurada. Aí a gente ficou receoso. Tanto que a destruição praticamente parou em abril e só voltou ao normal em agosto de 2019, com a crise deflagrada com o ‘dia do fogo’ na Amazônia”, afirmou Loss em seu depoimento.

Rene confirma o relato de Loss e ressalva que a ordem para não destruir maquinário foi dada de maneira informal, sem nenhum documento oficializando a orientação. Ele afirma que escreveu um documento de defesa dos fiscais que atuaram no episódio de Rondônia para mostrar que eles agiram dentro da lei, sem abusos, e impedir que fossem punidos equivocadamente pela destruição do maquinário.

“De fato, de abril até agosto de 2019 houve uma redução enorme. Os colegas não tinham nem coragem de pedir autorização para destruição, que tinham medo de retaliação. Uma retaliação que vinha de fora pra dentro”, afirmou Rene.

De acordo com Rene, as declarações públicas de Bolsonaro e de Salles “repercutiram muito dentro do Ibama. Gerou retração nos fiscais, que ficaram com receio de retaliações”. Prossegue o ex-coordenador: “Pra mim, existem três formas de uma força ser aniquilada. A primeira é tirar dinheiro. A segunda é desestruturar de alguma forma, como, por exemplo, não nomear cargos estratégicos ou nomear gente sem afinidade com a causa. A terceira é gerar constrangimento, fazer baixar a guarda de quem tá na linha de frente, no caso os fiscais. As declarações das autoridades criaram uma força antagônica que causa medo ou insatisfação, levando a um estágio de baixa autoestima e consequente baixa na produtividade. É o desestímulo de forma geral”.

Responsável na ponta por comandar operações, Hugo Loss cita que estavam realizando em abril deste ano uma ação de combate ao desmatamento nas terras indígenas Ituna-Itatá, Apyterewa e Trincheira Bacajá, localizadas no Pará, quando houve movimentação de personagens investigados por envolvimento nesse desmatamento junto à Presidência da República e teve início uma pressão contrária à ação. “A gente percebeu, pela imprensa, uma movimentação muito grande dos envolvidos nos ilícitos que a gente estava investigando junto ao Ministério do Meio Ambiente e à Presidência da República. A gente não sabia se essa movimentação era pela nossa saída, pela paralisação das operações. Não sabíamos. Mas isso atrapalhou bastante. Começamos a ficar receosos e tivemos que blindar as operações”, contou Loss.

Loss afirma que a equipe envolvida na operação “começou a receber questionamentos”, sem citar de quem partia essa pressão. A Funai e a Força Nacional, por exemplo, foram questionadas sobre as ações, diz ele. “A Força Nacional, que atuava com a gente, começou a receber questionamentos, e falavam para a gente ‘ó, o cara está perguntando o que que está acontecendo, qual que é o plano, o que vocês estão fazendo aqui?’. A gente que tá no campo não sabe muito bem o que está acontecendo fora, mas a gente sabe que eles estão se mexendo, eles estão agindo politicamente. E a gente vai vendo as instituições começando também a sofrer pressão, né?”, relatou.

Por causa dessa ação, de acordo com o depoimento, o governo acabou exonerando o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olivaldi Azevedo. O episódio foi relatado por Rene: “Na segunda-feira à tarde, imediatamente depois da reportagem do ‘Fantástico’, o Olivaldi entrou em contato comigo para avisar que tinha sido chamado no ministério e que, dependendo da situação, depois gostaria de falar comigo. Respondi que estava à disposição. Aí ele me ligou por volta das 17:30h, 18h, e pediu para nos encontrarmos. Fomos lá no Ibama e recebi a informação dele assim, sem muitos detalhes ‘a coisa ficou insustentável, estou saindo, fui exonerado, tive uma reunião agora no ministério'”. Rene e Loss contam que também saíram do órgão após esse episódio.

No fim da tarde de segunda-feira, a 8ª Vara Federal do DF pediu ao MPF esclarecimentos sobre o caso antes de decidir sobre o pedido de afastamento. A Justiça perguntou se há outras ações movidas com o mesmo objeto, para saber se o caso já foi decidido por outro juiz.

Salles rebateu ação

Na segunda-feira, após a ação do MPF de improbidade administrativa que pediu seu afastamento, Salles se pronunciou em nota por meio da sua assessoria de comunicação: “A ação de um grupo de procuradores traz posições com evidente viés político-ideológico em clara tentativa de interferir em políticas públicas do Governo Federal. As alegações são um apanhado de diversos outros processos já apreciados e negados pelo Poder Judiciário, uma vez que seus argumentos são improcedentes”.

Procurado na noite desta terça-feira para comentar o teor dos depoimentos, o Ministério do Meio Ambiente ainda não se manifestou.

O Globo

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