Planos dos presidenciáveis ignoram fila de espera de 1 milhão por cirurgias

Candidatos à Presidência são vagos em propor projetos na saúde

Todo ano eleitoral é a mesma ladainha. A saúde sempre aparece como principal reclamação do eleitor, mas nem de longe se traduz como prioridade nos planos de governo dos candidatos. É o que fica claro nas propostas apresentadas pelos presidenciáveis no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Em geral, os planos são genéricos, sem metas específicas e não consideram o cenário de crise econômica e de ajuste fiscal enfrentado pelo país. Não há nenhuma proposta, por exemplo, para minimizar o gargalo das cirurgias eletivas nos hospitais públicos e filantrópicos que prestam serviços ao SUS.

 A fila de espera para esses procedimentos chega a quase 1 milhão, segundo levantamento feito ano passado pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) com base na Lei de Acesso à Informação. A situação pode ser bem pior já que sete Estados (Acre, Amapá, Piauí, Rio de Janeiro, Sergipe, Santa Catarina e Roraima) ignoraram o pedido de informação ou se negaram a respondê-lo.

Ao mesmo tempo, essas filas escondem muita duplicidade. Já sabendo das dificuldades e da demora, as pessoas entram na lista de vários serviços. Em razão da falta de uma integração de dados, continuam com os nomes nas filas mesmo quando já conseguiram fazer a cirurgia.

Ano passado, o então ministro da Saúde Ricardo Barros prometeu que até o fim deste ano toda a informatização do sistema de saúde estaria concluída. Embora há quem duvide de que isso aconteça, apenas a informatização não basta se os sistemas de dados não estiverem integrados.

O prontuário eletrônico só faz sentido se seguir o paciente em todos os níveis de assistência. Só haverá chance de o SUS avançar mais casas se o bê-á-bá da organização do sistema de saúde for seguido: atenção primária resolutiva, ancorada na medicina de família, e coordenadora dos cuidados e consolidação das redes de saúde (quando um grupo de municípios é atendido por uma rede de especialistas, exames e hospitais em comum).

Se esses dois níveis de atenção (primário e secundário) estivessem minimamente organizados, a demanda nas emergências dos hospitais públicos seria menor, já que a maioria das pessoas que recorrem a esses serviços poderia resolver sua queixa na atenção primária ou nos ambulatórios de especialidades.

Não é preciso reinventar a roda. Há experiências exitosas no próprio SUS e a Folha tem mostrado isso. Querem conhecer uma atenção primária que funcione? Dê uma espiada no que Florianópolis, aos trancos e barrancos, tem feito.

Pensam que a organização da fila de espera por especialidades não tem jeito? Conheçam então a experiência de Porto Alegre. Consideram que o caos nas emergências é insolúvel? Vejam o que essa parceria do Sírio-Libanês com o Ministério da Saúde tem possibilitado.

Na série E agora Brasil? – Saúde, além do diagnóstico dos principais problemas de saúde, elencamos propostas em vários âmbitos. Mas, às vezes, a sensação é de chover no molhado. Pregar para convertido.

O momento é crítico para a saúde pública. Há reais perspectivas de perdas de recursos em razão do ajuste fiscal, tem aumentado o número de usuários egressos de planos de saúde, doenças eliminadas, como o sarampo, estão ressurgindo, há uma queda histórica na cobertura vacinal, a taxa de mortalidade infantil cresceu e por aí vai.

Diante disso tudo, é desanimador ver que as propostas dos presidenciáveis para o setor sejam tão vagas. Não há dúvida de que esses planos possam ser melhorados depois, mas, hoje, são os únicos documentos oficiais por meio dos quais será possível fazer escolhas na hora de votar e, principalmente, cobrar a execução desses projetos depois das eleições.

Cláudia Collucci – Jornalista especializada em saúde, autora de “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?”.

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