Perícias indicam superfaturamento que Odebrecht nega em sua delação

Trecho sul do Rodoanel, que foi superfaturado, segundo o TCU

Pelo menos 15 perícias oficiais de tribunais de contas e da Polícia Federal contestam a versão da empreiteira Odebrecht e de seus executivos de que a empresa não superfaturou obras incluídas no acordo de delação assinado com o Ministério Público.

Levantamento da Folha mostra que a soma das irregularidades indicadas nesses laudos é de mais de R$ 10 bilhões, quantia que supera o montante de R$ 6,8 bilhões a ser pago pela Odebrecht como indenização aos cofres públicos brasileiros até 2022, conforme o acordo.

Nos últimos três meses, a reportagem examinou mais de 76 mil páginas de documentos entregues pelos executivos da empresa à Justiça. O trabalhou permitiu constatar que mais de 60 obras públicas foram mencionadas pelos delatores como objeto de corrupção.

A Odebrecht admite que pagou propinas a agentes públicos e políticos ligados a esses projetos, mas sustenta que os subornos serviram apenas para garantir vitórias em licitações e o cumprimento regular dos contratos públicos. Diz ainda que não houve superfaturamentos. As informações são da Folha de São Paulo.

O número de perícias que contradizem essa alegação da empresa pode ser maior, já que parte das apurações e seus laudos ainda estão sob sigilo, principalmente em tribunais de contas que não deliberaram sobre os casos.

Os trabalhos técnicos já públicos sobre irregularidades em obras da Odebrecht foram produzidos por peritos do TCU (Tribunal de Contas da União), dos tribunais de contas dos Estados do Rio de Janeiro, da Bahia e de Pernambuco, e da Polícia Federal.

Na maior parte dos casos, a Odebrecht admitiu que formou cartéis com várias outras empresas para dividir lotes dos projetos, o que aumenta a probabilidade de majorações indevidas de preços.

Segundo o representante da ONG Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão, a posição da Odebrecht de reconhecer cartéis mas negar superfaturamentos mostra um descompasso em relação a outros casos de conluio entre empresas.

“Um ambiente cartelizado no qual não se aproveitasse para obter as maiores margens de ganho com sobrepreços seria um caso único na experiência internacional. Seria quase como acreditar em Papai Noel. Seria inusual que as empresas se pautassem pela eficiência no uso do recurso público e reproduzissem uma situação de mercado competitiva”, disse Brandão.

O mais significativo montante de superfaturamento em obra com a participação da Odebrecht, R$ 5 bilhões, em valores atualizados, foi indicado na perícia da Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.

Na obra, a empresa atuou em consórcio (participação de 16%) liderado pela construtora Andrade Gutierrez, cujos dirigentes também fizeram delação premiada.

As planilhas de suborno da empreiteira registram 13 repasses relacionados a Belo Monte, que totalizam cerca de R$ 5,3 milhões.

Mais de 85% desse montante foi pago a uma pessoa que recebeu o codinome “esquálido”. Segundo delatores, a alcunha era do senador e ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão (PMDB-MA).

Outros superfaturamentos na casa dos bilhões foram apurados nas obras da linha 4 do metrô do Rio de Janeiro (R$ 2,3 bilhões) e da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco (R$ 2,2 bilhões).

CAPACIDADE DE PAGAR

Parte desses laudos já estava pronta quando a delação da Odebrecht foi assinada, em dezembro de 2016, mas o tema superfaturamento não aparece no acordo, que também foi fechado com autoridades dos EUA e da Suíça.

Indagado sobre esse fato, o procurador Carlos Fernando Lima, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, disse que “o problema de superfaturamento é que todos os laudos que são feitos são muito mais estudos econométricos, já que é impossível analisar item por item”.

“As ações com base nesses laudos ficam paradas por anos e nada se comprova efetivamente. O que nós fizemos foi evitar essa discussão”.

O valor previsto no acordo para ressarcimento no Brasil, R$ 6,8 bilhões, foi definido com base em estudo que mostrou que esse era o montante que a empresa poderia pagar sem correr o risco de quebrar. A estimativa foi elaborada pela Odebrecht e chancelada pelas autoridades americanas.

“Usamos o método americano de capacidade de pagamento. Aqui no Brasil, moralisticamente, achamos que basta condenar a pagar R$ 20 bilhões e nunca executar. Nós [da força-tarefa], não. Preferimos entregar algum valor certo às vítimas”, afirmou. “Se eu tivesse um acordo em que eu fosse obrigado a dizer qual é o dano efetivo e obrigasse a empresa a pagar tudo, eu não fechava o acordo.”

Lima disse que a Petrobras e os tribunais ainda podem cobrar da Odebrecht diferenças que entenderem devidas.

OUTRO LADO

A empreiteira Odebrecht afirma que está colaborando com as autoridades brasileiras e estrangeiras e mantém entendimentos com os órgãos de controle para fixar critérios coerentes para o cálculo dos prejuízos causados aos cofre públicos.

Segundo nota enviada pela assessoria de imprensa da empresa, “a qualidade e a eficácia da colaboração da Odebrecht vêm sendo confirmadas dia a dia e têm sido instrumento valioso para a ação da Justiça”.

“A Odebrecht continua colaborando com as investigações de forma definitiva, prestando todos os esclarecimentos necessários às autoridades brasileiras e estrangeiras”.

O texto relata que “a empresa segue em tratativas com os órgãos de controle visando estabelecer premissas e critérios coerentes para cálculo dos danos ao erário, e já registrou perante o MPF [Ministério Público Federal] disposição de colaborar plenamente com as instâncias administrativas pertinentes”.

De acordo com a companhia, muitos dos valores de superfaturamento mencionados pela reportagem “são preliminares e atrelados aos montantes globais dos respectivos contratos, não correspondendo às participações da Odebrecht em cada um deles.”

A Odebrecht diz que o aumento do preço de obras em comparação com o valor inicial não se deve a superfaturamento, mas a aditivos contratuais previstos em lei, ou a mudanças de projetos.

Em nota, a empreiteira Andrade Gutierrez “reafirma seu compromisso público de continuar colaborando com as autoridades e órgãos competentes no intuito de esclarecer e sanar erros cometidos no passado”.

Antônio Carlos de Almeida Castro, defensor de Edison Lobão, negou que o ex-ministro tenha sido destinatário de recursos ilícitos da Odebrecht. “O senador nega veementemente todas as acusações. As delações já estão sendo amplamente questionadas juridicamente e não tem um fiapo de credibilidade”, disse.

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