Na suspeição de Moro, STF pode livrar Nunes Marques de voto decisivo; leia cenário

Em uma de suas palestras, o filósofo e escritor norte-americano Michael J. Sandel expõe ao público o “dilema do trem” como uma maneira de discutir as questões morais quando tentamos fazer a coisa certa. Imagine que você é maquinista de um trem, descendo o trilho a 90 km/h, e o freio deixa de funcionar. No final do trilho, estão cinco trabalhadores ferroviários que certamente morrerão com o impacto da batida. À direita, no entanto, há um desvio no percurso, com apenas um trabalhador no meio do caminho. O seu volante funciona, e você sabe que se desviar, vai matar uma pessoa, e não as outras cinco. O que você faz?

A analogia do “dilema do trem” voltou à tona agora com a decisão do relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, que anulou na semana passada as condenações impostas pela operação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Fachin também reabilitou o petista a disputar as próximas eleições, redesenhando a disputa ao Palácio do Planalto em 2022. Ainda encaminhou à Justiça Federal do Distrito Federal quatro ações que investigam o ex-líder sindical: os casos do triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia, e outros dois sobre o Instituto Lula. Segundo integrantes do STF, a decisão do ministro foi uma dessas escolhas trágicas, semelhantes ao “dilema do trem” levantado por Sandel.

Em uma estratégia para reduzir danos, tentar tirar o foco do ex-juiz federal Sérgio Moro e preservar o legado da Lava Jato, Fachin optou por “sacrificar” as condenações que a operação colocou sobre Lula.  Dessa forma, ao derrubar a condenação que Moro assinou contra Lula – de 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá -, Fachin tentou evitar que o trem chegasse à estação final: a implosão da Lava Jato, com Moro sendo declarado parcial pela Segunda Turma do STF, o que poderia contaminar os demais processos que tiveram as digitais do ex-juiz.

Em entrevista ao Estadão publicada no último sábado, o relator da Lava Jato disse que, se a Segunda Turma declarar a suspeição de Moro, a investigação terá o mesmo fim que a Operação Mãos Limpas teve na Itália. “É a história de uma derrocada, em que o sistema impregnado pela corrupção venceu o sistema de apuração de investigação e de condenação dos delitos ligados à corrupção”, comentou. Para o ministro, a história da Lava Jato vai depender do que for “decidido nos próximos dias ou nos próximos meses”.

Na prática, ao anular a condenação de Moro contra Lula, Fachin considera que não há mais que se falar em parcialidade ou não do ex-juiz na ação do triplex. A ofensiva para “blindar” Moro foi criticada por colegas da ala contrária à Lava Jato. Na semana passada, a Segunda Turma contrariou o relator e retomou o julgamento sobre a atuação de Moro no caso do triplex, que acabou suspenso por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Kassio Nunes Marques, após o placar empatado em 2 a 2.

Trilhos. Agora, os trilhos da Lava Jato no STF se dividem em dois caminhos que se interligam e também podem produzir “vítimas” no percurso. De um lado, o caminho da suspeição de Moro está travado pelo pedido de vista de Kassio, que ganha mais tempo para elaborar o voto e permite que os colegas se reorganizem e articulem novas estratégias. Novato, Kassio chegou ao Supremo por indicação do presidente Jair Bolsonaro com a bênção do Centrão e do ministro Gilmar Mendes, ferrenho crítico de Moro no Supremo.

De outro lado, o presidente do STF, Luiz Fux, pretende levar logo para julgamento no plenário – no final deste mês, ou o mais tardar, no início de abril – o recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a decisão de Fachin que anulou as condenações de Lula. Membros da cúpula da PGR avaliam que é difícil derrubar o entendimento do relator da Lava Jato, que se ancorou em 20 precedentes da Corte para tomar a decisão que tirou de Curitiba os casos do ex-presidente da República.

Nos bastidores, integrantes da Corte apontam que se o plenário analisar antes o recurso da PGR que contesta a anulação das condenações de Lula, e Kassio “segurar” a vista da suspeição de Moro por mais tempo, isso pode poupar o ministro de dar o “voto de minerva” no julgamento da Segunda Turma.

Isso porque o julgamento no plenário do STF sobre a decisão de Fachin não deve se limitar à discussão sobre a anulação das condenações de Lula na Lava Jato. Nas 46 páginas que provocaram um terremoto político no País, Fachin também determinou o arquivamento do habeas corpus que discute a suspeição de Moro na ação do triplex do Guarujá, justamente para impedir que a análise do tema avançasse na Segunda Turma.

Interlocutores de Fachin avaliam que há espaço, sim, para o plenário do tribunal decidir se o habeas corpus da suspeição de Moro na Turma deve ou não ser arquivado, como determinou o ministro. Se a Segunda Turma já tiver concluído o julgamento da parcialidade do ex-juiz até lá, também haveria a possibilidade de o plenário reverter um eventual entendimento desfavorável a Moro. A ala contrária à Lava Jato, no entanto, insiste para que Kassio devolva a vista o quanto antes, permitindo a conclusão do julgamento sobre a conduta de Moro. O grupo pró-Lava Jato teme esse cenário, por avaliar que se Moro for declarado parcial, isso poderia provocar efeitos colaterais em toda a operação, contaminando-a por inteiro.

Para retomar o dilema de Sandel, é como se a Lava Jato fosse um trem, descendo ladeira abaixo, a mais de 90 km/h, sem freios nem rumo definido. A dúvida é saber qual manobra dos maquinistas do STF vai prevalecer para produzir menos “vítimas” – ou mais.

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