Na OMS, general esconde dimensão da crise e mostra um governo que funciona

O general Eduardo Pazuello, ministro interino que lidera a pasta da Saúde, apresentou um cenário do Brasil distante da realidade que vive o país. Ele garantiu à comunidade internacional que o governo de Jair Bolsonaro atua em “diálogo” com o restante das esferas de poder e indicou o apoio de Brasília às diferentes regiões.

Em seu discurso diante da Assembleia Geral da Saúde, organizada pela OMS nesta segunda-feira, o novo chefe do Ministério da Saúde não citou uma só vez a própria OMS, nem o salto no número de casos e nem o fato de o presidente insistir em não seguir e até criticar as recomendações da entidade.

Pelos dados da OMS, o Brasil é o local com o quarto maior número de casos no mundo. O discurso do general mais parecia de ser de um país que tinha lidado com a crise com êxito.

Mergulhado em conflitos e tensões, o governo Bolsonaro tem liderado ataques contra governadores estaduais, ameaçado o Congresso e pressionando o Judiciário.

Nada disso, porém, fazia parte do discurso de Pazuello. Por vídeoconferência, ele se apresentava diante de uma foto do presidente e da bandeira do Brasil.

“Como sabemos, o Brasil tem dimensões continentais e diferenças regionais importantes que exigem uma estratégia apropriada para cada um deles”, disse. Segundo o novo ministro, o governo atua “por por meio do diálogo com os três níveis de governança”.

“O governo federal diariamente acesso a situação de risco, apoia estados e cidades com os recursos necessários para mitigar os efeitos da pandemia”, garantiu o general.

Sem citar o caos em Manaus, ele indicou que tem ajudado as regiões como Norte e Nordeste a lidar com a crise.

Pazuello ainda indicou que sua pasta tem “ajustado seus protocolos, baseado em evidências e nas necessidades dos mais afetados”. Uma mudança de protocolos forçada por Bolsonaro para incluir a cloroquina foi um dos motivos que levou à queda de seu segundo ministro da Saúde.
Alianças internacionais

No discurso, o general não citou uma só vez o termo “OMS” e nem seu diretor-geral, Tedros Ghebreyesus, uma prática comum em falas na Assembleia Geral. Nos últimos meses, Bolsonaro tem criticado o chefe da agência e ignorado suas recomendações.

Pazuello, porém, indicou que o Brasil “reforça o compromisso em apoiar a participar em iniciativas internacionais”. Uma delas seria o Solidarity Trial, uma pesquisa mundial conduzida pela OMS com pacientes em todo o mundo. Segundo o general, são eventos como esse que “reforçam a cooperação internacional”.

Ele também insistiu que o Brasil quer buscar acesso universal a diagnósticos, tratamentos e vacinas. A coluna revelou na semana passada que o governo Bolsonaro não foi convidado para fazer parte de uma iniciativa da OMS para o desenvolvimento de uma vacina, ao lado de europeus e mais de 40 países.

Na OMS, o trecho do discurso que cita a vontade de participar em iniciativas internacionais foi interpretado como um sinal de que o governo espera não ficar isolado.

Durante o discurso, o general ainda explicou como estava estruturada a resposta do governo federal, com o Planalto responsável por coordenar e monitorar, enquanto cabia ao Ministério da Saúde definir estratégias de saúde. A impressão passada era de um governo que funciona e sabe lidar com a crise.

Nenhuma referência foi feita aos eventos e aglomerações com a participação do presidente.

O general ainda aproveitou o evento para mostrar solidariedade às famílias das vítimas, no Brasil e no mundo. Só não disse que, quanto o número de mortos no país já era elevado, o presidente apenas disse: “e daí?”

A entidade começou seu debate com um alerta duro por parte do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, que criticou governos que não deram ouvidos aos alertas da OMS ou suas recomendações. A reunião ainda contou com a participação de presidentes como Emmanuel Macron, Xi Jinping e outros.
Desgoverno

A participação do país no evento, porém, ocorre em um momento em que o Brasil é alvo de duras críticas internacionais. O Brasil ainda se vê afastado de uma aliança internacional que busca acelerar os trabalhos para o desenvolvimento de uma vacina.

Até sexta-feira, seria Nelson Teich quem acompanharia os debates na OMS e faria o discurso em nome do governo de Jair Bolsonaro.

Mas com sua saída do Ministério da Saúde, abriu-se uma incerteza sobre quem representaria o Brasil. A OMS chegou a buscar esclarecimentos sobre quem falaria em nome do país, inclusive para estabelecer sua lista com base no protocolo diplomático.

No fim de semana, Brasília indicou que o discurso do país na OMS deveria ser realizado por Eduardo Pazuello, militar que ocupa de forma interina o cargo vago de Teich. O general, que afirmou ser “leigo” em questões médicas, tem coordenado a operação de compras de equipamentos e máscaras.

Em Genebra, chamou a atenção o fato de o Brasil indicar a participação de um militar, principalmente diante do número elevado de especialistas reconhecidos e nomes de alto gabarito do país na Saúde. A regra, porém, estipula que um país deve ser representado no evento pelo chefe de governo ou por um ministro.

 

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