O juiz Sergio Moro lamentou nesta terça-feira (3) que a imposição de medidas cautelares contra o ex-ministro José Dirceu tenha sido interpretada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) como “claro descumprimento” do habeas corpus concedido pela corte na última terça (26).
Nesta segunda (2), o ministro Dias Toffoli, do STF, cassou decisão de Moro que determinava o uso de tornozeleiras eletrônicas para Dirceu, afirmando que o juiz havia extravasado sua competência. Toffoli argumentou que o habeas corpus assegurava “liberdade plena” ao reclamante.
No despacho desta terça (3), Moro ressaltou que medidas cautelares haviam sido autorizadas pelo próprio Supremo após a corte revogar a prisão preventiva de Dirceu, em maio de 2017, antes de sua condenação em segunda instância.
”Não se imaginava (…) que a própria maioria da Colenda 2ª Turma do STF que havia entendido antes (…) apropriadas as medidas cautelares (…), teria passado a entender que elas, após a confirmação na apelação da condenação a cerca de vinte e seis anos de reclusão, teriam se tornado desnecessárias. Entretanto, este Juízo estava aparentemente equivocado”, escreveu Moro.
O magistrado também argumentou que o Juízo Distrital, provisoriamente encarregado da execução da pena de Dirceu, que ficou preso no Complexo da Papuda, determinou que o ex-ministro se reapresentasse à 13ª Vara Federal de Curitiba para dar continuidade ao cumprimento das medidas cautelares.
Ainda assim, obedecendo a decisão do STF, o magistrado pediu que as autoridades policiais e o juízo da execução provisória sejam comunicados da revogação das medidas cautelares.
Especialistas ouvidos pela Folha divergem sobre a decisão de Moro.
Rodrigo Felberg, professor de direito penal da Universidade Mackenzie, disse que caberia ao ministro do Supremo e não a Moro a decisão de determinar medidas cautelares, se achasse necessário.
“Não gosto de demonizar o Moro como fazem os criminalistas, mas neste caso ele errou”, afirma. “O juiz que solta é o que determina medida cautelar. Como foi o Supremo que soltou o José Dirceu sem medidas cautelares, não havia nada que o Moro pudesse fazer.”
Segundo Felberg, o juiz não tinha mais competência para se manifestar sobre Dirceu porque já havia julgado o processo.
O professor titular de direito penal da USP Renato Melo Jorge Silveira também afirma que Moro extrapolou ao mandar colocar a tornozeleira.
“Se a corte superior tomou a decisão, não poderia haver ponderações do juiz de primeira instância. Se o Supremo não determinou o uso de tornozeleira, o juiz de primeiro grau não pode mudar uma decisão do Supremo”, diz.
Segundo Silveira, a determinação sobre o monitoramento não era uma simples execução penal, mas uma nova medida cautelar, para a qual Moro não tinha mais competência.
“Se a decisão do Supremo sobre a soltura está certa ou errada, é outra questão”, afirma.
Rubens Glezer, professor de direito constitucional da FGV, no entanto, diz considerar que Moro estava certo.
“Não há, naquele habeas corpus que eles [STF] deram, uma avaliação sobre as cautelares. Então, para derrubar as cautelares, é preciso ter uma decisão sobre elas”, diz Glezer.
O especialista ressalta que Dirceu usava a tornozeleira antes da condenação em segunda instância. “Cai a prisão em segunda instância, é natural imaginar a volta das cautelares.” Segundo ele, não seria o STF o responsável a determinar o uso ou não de tornozeleira, porque a corte só faz “um controle de ilegalidades”, e a revisão sobre medidas cautelares deve ser feita no primeiro grau.
Em Portugal, onde participou de um seminário na Universidade de Coimbra, Toffoli não quis dar entrevista.