Julgamento no TJ do Rio pode anular decisões do juiz do caso Flávio Bolsonaro

Na próxima quinta-feira, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) vai julgar um pedido de habeas corpus feito pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) em março. Nesse recurso, o senador questiona a competência do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, para determinar as medidas cautelares do caso da “rachadinha”, a prática ilegal da devolução dos salários dos assessores. Desde abril do ano passado, Itabaiana já determinou a quebra de sigilo bancário e fiscal de Flávio e outras 103 pessoas e empresas, além de mandados de busca e apreensão. Na quinta-feira, o juiz também decretou a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, e de sua mulher Márcia Oliveira de Aguiar, que está foragida.

O HC foi apresentado pela advogada Luciana Pires e a defesa sustenta que, como Flávio era deputado estadual no período dos fatos investigados, entre 2007 e 2018, o juízo competente para o caso seria o Órgão Especial do TJ do Rio. Caso a defesa tenha o pedido atendido pelos três desembargadores que julgarão o HC, as decisões de Itabaiana podem ser consideradas nulas. No entanto, os promotores que investigam o caso apontam que há jurisprudência em tribunais superiores garantindo que o direito a foro se encerra quando o mandato termina. Procurada, Luciana Pires disse que não se pronunciará até o julgamento.

O GLOBO apurou que, no entorno bolsonarista, a advogada é a mais cotada para assumir a defesa de Flávio no procedimento de investigação criminal depois que Queiroz foi preso no sítio de Frederick Wassef em Atibaia, no interior de São Paulo,  durante  a “Operação Anjo”. Como Wassef representava Flávio nas investigações, pessoas próximas a Flávio defendem a mudança. Luciana Pires já advogou para a ex-deputada Cidinha Campos, para o deputado federal Paulo Ramos e atualmente defende o ex-presidente da Fecomércio-RJ Orlando Diniz nos processos da Operação Lava-Jato no Rio. Ela já representa Flávio no inquérito eleitoral que também investiga o senador por lavagem de dinheiro e falsidade ideológica na declaração de bens à Justiça Eleitoral.

Parecer de Procuradora favorável à mudança de foro

Enquanto aguardava a marcação do julgamento, a defesa de Flávio obteve um parecer favorável à sua tese da procuradora Soraya Gaya, que atua em casos de habeas corpus na 2ª instância. “O Paciente (Flávio), hoje Senador da República, na época dos fatos investigados ocupava a cadeira de Deputado Estadual, tendo portanto, foro por prerrogativa de função”, escreveu Gaya, no parecer. “Some-se a isso o artigo 3º do Regimento Interno do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ser expresso quanto a competência do Órgão Especial para processar e julgar, originariamente os deputados”, completou.

Uma semana depois da apresentação do pedido da defesa, em março, a relatora do HC na 3ª Câmara, a desembargadora Suimei Cavalieri, decidiu em liminar suspender as investigações até que o plenário se manifestasse sobre a questão da competência da 27ª Vara Criminal. Dias depois, Cavalieri reconsiderou sua decisão e manteve o andamento das investigações.

“A realidade é que inexiste lei em sentido formal ou material a conferir ao Paciente (Flávio Bolsonaro) foro por prerrogativa de função perante o Judiciário Fluminense, subsumindo o caso aos critérios de definição de competência do Código de Processo Penal. Não há interpretação razoável que permita forcejar a aplicação da exceção em detrimento da regra, não há lacuna a ser colmatada nas normas legais e, portanto, qualquer ilegalidade a ser sanada”, escreveu Cavalieri, ao reconsiderar sua decisão anterior.

Como o julgamento demorou a ser marcado, a procuradora Soraya Gaya concordou novamente com a defesa, em um pedido de suspensão das investigações. No entanto, a desembargadora Suimei Cavalieri não chegou a julgar esse segundo pedido.

Como Gaya atua somente na segunda instância, ela não faz parte do grupo de promotores do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) que investiga o senador e seu ex-assessor Fabrício Queiroz por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

O GLOBO apurou que na quinta-feira a procuradora Viviane Tavares vai sustentar um parecer contrário à avaliação de Soraya Gaya e que defenderá a manutenção do caso com o juiz Flávio Itabaiana, a mesma opinião defendida pelo Gaecc.

Se a 3ª Câmara Criminal decidir que o caso de Flávio deve ser julgado pelo Órgão Especial, as decisões de Itabaiana que permitiram a arrecadação de diversas provas para o caso podem ser anuladas e a investigação pode ter que recomeçar  quase do início.

Posição dos investigadores

Em setembro do ano passado, o Gaecc emitiu um parecer segundo o qual “desde o cancelamento da Súmula nº 394 pelo STF, no ano de 1999, foi abolida do direito brasileiro a perpetuação do foro por prerrogativa de função após o término do mandato eleitoral”. Os promotores ressaltaram que “há pelo menos duas décadas os deputados estaduais não são mais julgados originariamente pelos Tribunais de Justiça depois de cessado o exercício da função”.

O Gaecc lembrou ainda que decisão do STF, de maio de 2018, aplicou o foro “apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”. A exceção ficou por conta dos casos nos quais “após o final da instrução processual” a competência ficou prorrogada para evitar manobras que impedissem a sentença, uma vez que o tribunal já tivesse conhecimento das provas.

Os promotores recordaram ainda que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça julgou caso similar em maio do ano passado e mandou uma ação penal contra o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), ser encaminhada para distribuição na primeira instância da Justiça do Piauí. Os fatos relatados na denúncia eram de 2009, em um mandato anterior de Dias no governo.

Em nota, dias atrás, a procuradora Soraya Gaya afirma que não existe nada demais na hipótese. “Primeiro porque os membros do Ministério Público são dotados de independência funcional sem perder a unidade, de forma que um não está vinculado a opinium do outro e segundo porque nem tudo que é legal é justo, dessa forma, opto sempre pela Justiça, por atender melhor ao interesse público.”

O globo

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