Juíza rejeita denúncia do ministro Gilmar contra ‘tomataço’

A juíza federal Renata Andrade Lotufo, que nesta terça-feira, 29, rejeitou denúncia criminal contra Ricardo Rocchi, que ofereceu R$ 300 a quem acertasse tomate na cabeça de Gilmar Mendes já assinou manifesto de ‘indignação’ contra o ministro do Supremo, em 2009. Na época, 130 magistrados federais, entre eles Lotufo, subscreveram nota de repúdio a Gilmar, que havia determinado ao Conselho da Justiça Federal e ao Conselho Nacional de Justiça investigação sobre suposta ‘desobediência’ do juiz Fausto Martin De Sanctis.

A origem do manifesto foi a Operação Satiagraha, deflagrada em julho daquele ano. O alvo da investigação era o banqueiro Daniel Dantas, do Opprtunity, depois inocentado pelo Superior Tribunal de Justiça. De Sanctis, então titular da 6.ª Vara Federal Criminal de São Paulo, mandou prender Dantas. Gilmar soltou. De Sanctis mandou prender novamente. Gilmar mandou soltar outra vez.

Irritado, o ministro destacou que ‘o encarceramento (de Dantas) revela nítida via oblíqua de desrespeitar a decisão deste Supremo Tribunal Federal anteriormente expedida’. Julia Affonso e Luiz Vassallo –   O Estado de São Paulo

A decisão de Gilmar em mandar investigar De Santics no CNJ e no Conselho da Justiça Federal causou forte reação dos colegas do juiz, hoje desembargador do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF- 3), com jurisdição em São Paulo e Mato Grosso do Sul.

Eles lançaram o movimento ‘magistrados unidos’. O manifesto dizia que ‘não se vislumbra motivação plausível para que um juiz seja investigado por ter um determinado entendimento jurídico’. Os magistrados clamaram por independência, ‘pilar da democracia e princípio constitucional consagrado’.

“Ninguém nem nada podem interferir na livre formação da convicção do juiz, no direito de decidir segundo sua consciência, sob pena de solaparem-se as próprias bases do Estado de Direito”, escreveram, na ocasião.

Nesta terça, 29, quase nove anos depois do movimento ‘magistrados unidos’, a juíza Renata Lotufo rejeitou denúncia da Procuradoria da República contra Ricardo Rocchi, criador do movimento ‘Tomataço’.

Segundo a acusação da Procuradoria da República, Rocchi compareceu em eventos em que o ministro esteve presente e atirou-lhe tomates em protesto a decisões dadas por ele.

Ao ser ouvido durante as investigações policiais, Rocchi disse não existir intuito de causar qualquer tipo de lesão ao ministro, utilizando-se, para tanto, de tomates maduros ou cozidos.

Renata Lotufo afirmou na decisão que a liberdade de expressão é um ‘direito fundamental de 1.ª geração, que possui inegável posição preferencial em relação aos demais direitos’.

A magistrada acrescentou que a liberdade de expressão está prevista em diversos tratados e declarações internacionais, dos quais o Brasil é signatário.

“Causa preocupação que, em um país como o nosso, com recente histórico nefasto de autoritarismo e violação à liberdade de expressão (especialmente durante o regime militar), atualmente tantos agentes políticos, de diferentes espectros políticos (inclusive alguns que tiveram a sua liberdade de expressão violada durante a ditadura) procurem, com frequência, o Judiciário no intuito de impedir manifestações de humoristas, jornalistas e cidadãos em geral”, pondera a juíza.

Lotufo citou algumas decisões do STF, pelo próprio ministro Gilmar, nas quais ele criticava o ingresso ao judiciário para impedir manifestações artísticas ou de pensamento.

Com relação ao delito de incitação, a juíza afirma que, para se configurar, deve haver necessariamente um crime a ser incitado. “Há notícias de que o acusado tenha tentado atirar tomates em inúmeros eventos, não havendo informações, contudo, de que qualquer outro alimento ou objeto apto a causar lesões tenha sido arremessado. […] O acusado afirmou nunca ter pretendido atingir a integridade física, mas apenas protestar.”

A juíza menciona, na decisão, que na Espanha existe um evento chamado “Tomatina”, no qual milhares de pessoas se reúnem para atirar tomates umas nas outras e que não há, até hoje, noticias de ferimentos em razão dessa prática, o que demonstra a ausência de lesividade à integridade física no ato de atirar tomates.

“A conduta do denunciado, ainda que possa ser tida por reprovável, está inserida no contexto de sua liberdade de expressão, sendo certo que agentes públicos (tais como este juízo) e, especialmente, pessoas em posições elevadas no espectro político e jurídico, estão sujeitos a um grau maior de crítica social”, explica Lotufo.

Outro ponto levantado pela magistrada é que, se por um lado, o chefe do Executivo está sujeito ao controle do voto e a processos de impeachment, ‘ministros do STF não estão sujeitos à fiscalização quanto à demora na prolação de decisões, tampouco à fiscalização do CNJ (conforme decidido pelo próprio STF), de modo que resta à população tão somente o protesto como forma de exteriorização de sua discordância’.

Por fim, Lotufo destaca que ‘100% das decisões judiciais serão de alguma maneira criticada […] de modo que não é possível a um pretendente ao cargo de magistrado imaginar que a população (especialmente aquela sem formação jurídica) não fará uso, ainda que de maneira reprovável, de termos pejorativos e palavras de baixo calão tais como descrito na denúncia’.

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