Informações de Campêlo não confirmam as de Pazuello na CPI

Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia (CPIPANDEMIA) realiza oitiva do ex-secretário de Saúde do Amazonas.   O objetivo é esclarecer o colapso no estado no início de 2021, com falta de leitos e de oxigênio medicinal nos hospitais que recebiam pacientes com covid-19, e apurar sobre o desvio de dinheiro do combate à pandemia, a partir de suposta organização criminosa no estado.   À mesa, ex-secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campelo.   Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Para o relator da CPI da Pandemia, senador Renan Calheiros (MDB-AL), há “uma óbvia contradição” entre os depoimentos do ex-secretário de Saúde do Amazonas,  Marcellus Campêlo e o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Isso porque, segundo o ex-ministro da Saúde, o alerta sobre o risco de colapso de oxigênio só ocorreu no dia 10 de janeiro durante uma visita a Manaus — e não no dia 7, como afirmou Campêlo na cronologia que apresentou em seu depoimento à comissão.

Parlamentares governistas, no entanto, minimizaram a divergência de datas. Para o líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), “essa contradição não é importante” porque o telefonema de Campêlo a Pazuello “não tratou do risco de desabastecimento de oxigênio”.

— No dia 7 de janeiro, o secretário liga para Pazuello e solicita o transporte aéreo de cilindros de Belém para Manaus. O transporte foi executado pela Força Aérea no dia 8. Não foi tratado de risco de desabastecimento — reforçou o senador Jorginho Mello (PL-SC).

Cronologia, segundo Campêlo

O ex-secretário disse que telefonou para Pazuello no dia 7 de janeiro e pediu “apoio logístico” para a transferência de 300 cilindros de oxigênio de Belém para Manaus. A ligação ocorreu após um encontro em que representantes da White Martins sugeriram a compra do insumo “diretamente de outro fornecedor, capaz de aumentar a disponibilidade do produto”.

— Eu fiz uma ligação ao ministro Pazuello no dia 7 de janeiro, explicando a necessidade de apoio logístico para trazer oxigênio a pedido da White Martins. A partir daí, fizemos contato com o Comando Militar da Amazônia (CMA), por orientação do ministro, para fazer esse trabalho logístico — informou.

No dia 8, segundo o ex-secretário, o CMA providenciou a entrega de 300 cilindros de Belém para Manaus. A partir do dia 9 de janeiro, entretanto, Campêlo disse ter enviado diariamente ofícios ao Ministério da Saúde, pedindo apoio em relação ao risco de desabastecimento de oxigênio.

— No dia 7, foi a ligação para pedir apoio logístico de Belém para Manaus; no dia 10, informei a preocupação com as entregas (de oxigênio) da White Martins; e, no dia 11, a partir daí, o Ministério da Saúde começou a tratar diretamente com a White Martins. (…) Nós comunicamos, no dia 9, via ofício, via comitê de crise. No dia 10, pessoalmente, ao ministro comuniquei. No dia 11, houve a reunião com o ministro Pazuello e a White Martins para verificar essa questão do apoio logístico. A partir daí, os assessores do ministro começaram a tratar desse apoio específico — afirmou.

Campêlo disse à CPI, então, que nos dias 13 e 14 de janeiro, as equipes do Ministério da Saúde já estavam todas em Manaus.

Caos no Amazonas

Marcellus Campêlo reconheceu que “houve intermitência” no fornecimento de oxigênio para a rede pública de saúde do Amazonas apenas nos dias 14 e 15 de janeiro. O senador Eduardo Braga (MDB-AM) rebateu a afirmação, que classificou como “uma mentira”. O parlamentar apresentou vídeos em que a população reclama da falta do insumo nos dias 21 e 26 de janeiro.

— Eu não aguento mais. O Pazuello veio aqui e mentiu. O Élcio [Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde] veio aqui e mentiu. Agora vem o secretário mentir também. Não foram dois dias. O que o secretário não está relatando é que o contrato com a White Martins era de 250 mil metros cúbicos de oxigênio. Em julho, o fornecimento já estava em 413 mil metros cúbicos. Em agosto, mais de 400 mil. Em outubro, 424 mil. Em novembro, 505 mil. Depois, 582 mil. Havia um aumento gradual, firme e constante em função do número de infectados. O governo do estado teve tempo suficiente para poder agir — desabafou.

Apesar dos alertas feitos pela White Martins, segundo Eduardo Braga, até hoje o estado não está preparado para enfrentar uma eventual terceira onda de covid-19. Ele disse que o governo do Amazonas não comprou sequer uma usina para a produção de oxigênio, embora haja dinheiro em caixa. O senador Omar Aziz reforçou a crítica.

— O estado, depois de toda a crise, não ter comprado usinas para colocar nesses hospitais é uma temeridade muito grande porque a planta da White Martins não aumentou — disse o presidente da CPI da Pandemia.

Cloroquina

Marcellus Campêlo disse ter participado de reuniões em Manaus com a secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro. Segundo o ex-secretário, Mayra não foi informada sobre o iminente colapso de oxigênio porque, segundo ele, “não havia sinais desse tipo de necessidade”. O ex-secretário destacou que a presença da secretária na capital amazonense tinha como foco incentivar o tratamento precoce.

— Em 4 de janeiro, recebemos a secretária Mayra Pinheiro. O governador [Wilson Lima] participou da reunião. Vimos uma ênfase da doutora Mayra Pinheiro em relação ao tratamento precoce. A visita tinha um enfoque muito forte sobre isso — afirmou.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) lembrou que, três dias depois de deixar o Amazonas, Mayra Pinheiro enviou ao estado um lote de 120 mil comprimidos de hidroxicloroquina para o tratamento de covid-19. Para o senador Humberto Costa (PT-PE), Manaus foi “uma espécie de experimento para o governo federal”.

— Acreditavam que a cloroquina seria capaz de promover um tratamento precoce e diminuir o número de pessoas acometidas e de mortes. Tenho convicção de que, por essa razão, o esforço para garantir o mínimo necessário para o enfrentamento à pandemia em Manaus não foi feito — disse.

Dinheiro em caixa

Fernando Bezerra Coelho lembrou que o Amazonas tinha dinheiro em caixa para o enfrentamento da pandemia. O saldo saltou de R$ 459 milhões em agosto de 2020, para R$ 478 milhões em dezembro e R$ 553 milhões em março deste ano.

— Fica claro que nunca faltou dinheiro ao estado para tomar as providências necessárias para o enfrentamento da pandemia. O saldo só cresceu. Havia recursos disponibilizados na conta do governo do Amazonas. Não houve falta de recursos — disse.

O ex-secretário da Saúde confirmou a informação. Ele lembrou, no entanto, que governo estadual financia 82% da rede hospitalar do Amazonas. Apenas 18% dos recursos são federais.

— No fechamento de 2020, havia R$ 470 milhões no fundo estadual de saúde. Desse total, R$ 115 milhões eram específicos para o atendimento de covid-19. Os recursos chegam num momento em que há diminuição de taxas [de infectados], e o investimento foi feito na sua grande parte pelo governo do Amazonas — afirmou Campêlo.

O ex-secretário disse que o dinheiro enviado pela União foi usado para a contratação de mais de 2 mil profissionais de saúde e a compra de medicamentos, especialmente o kit intubação. Ele lembrou ainda que, na gestão do então ministro Luiz Henrique Mandetta, o estado recebeu 80 respiradores enviados pelo Ministério da Saúde. Mas dez foram devolvidos por serem destinados ao uso veterinário.

Críticas

Senadores criticaram o fato de Marcellus Campêlo ter assumido a Secretaria da Saúde do Amazonas durante a pandemia de coronavírus, embora não tenha formação na área. O ex-secretário é formado em Engenharia Civil.

— Se fosse construir uma casa, o senhor contrataria um médico pra fazer o projeto? Claro que não, não fazia. O senhor não sabe nada [de saúde]. O senhor está errado, e seu governador, mais errado ainda de nomear um engenheiro para ser secretario de Saúde. Um cargo que mexe com a vida das pessoas. O senhor é muito culpado por isso. A mesma irresponsabilidade que cometeu o presidente da República, que nomeou um general que não conhecia o que era o Sistema Único de Saúde — disse o senador Otto Alencar (PSD-BA).

Para o senador Marcos Rogério (DEM-RO), o colapso da saúde no Amazonas foi agravado pelos escândalos de corrupção registrados desde 2019. Segundo o parlamentar, o setor estava em crise, com hospitais sem infraestrutura e pessoal.

— Houve absoluta falta de previsibilidade. Escolheu expor a população do Amazonas ao risco de morte, e foi isso o que aconteceu. Por irresponsabilidade administrativa — afirmou.

Fonte: Agência Senado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.