Governo Temer prepara medida provisória para arrendar terras indígenas ao agronegócio

ctv-m1u-pronunciamento-michel-temer-dida-sampaio-estadao

O governo prepara a publicação de uma medida provisória que poderá liberar o arrendamento de terras indígenas para o agronegócio. A informação foi confirmada ao Estado pelo deputado ruralista Luiz Carlos Heinze (PP/RS) e por uma fonte ligada à Fundação Nacional do Índio (Funai).

Segundo Heinze, o compromisso foi assumido pelo próprio presidente Michel Temer, em encontro no Palácio do Planalto, do qual participou ainda o Ministro da Justiça, Torquato Jardim.

“Essa situação de arrendamento já existe na prática em algumas regiões do País. O que queremos é regulamentá-la”, disse Heinze. “O presidente se comprometeu em publicar a MP no início da próxima semana.”

Hoje, por lei, é proibida a entrada dessas atividades em terras indígenas. A bancada ruralista do Congresso tem pressionado o governo para rever o processo de demarcação de terras, retirando essa atribuição do Executivo para repassá-la ao Legislativo. A mudança, porém, encontra forte resistência da própria Funai, ligada ao Ministério da Justiça, e de organizações socioambientais, além da própria comunidade indígena. As informações são de André Borges, O Estado de S.Paulo.

Em Estados como o Tocantins, na Ilha do Bananal, índios têm arrendado suas terras a pecuaristas, apesar de a Funai determinar que se trata de uma operação ilegal. O Ministério Público Federal no Tocantins, porém, tem atuado em favor dessas atividades.

Questionada sobre a possível edição da MP na próxima semana, a Casa Civil da Presidência da República limitou-se a dizer que, hoje, a medida provisória não existe. O Ministério da Justiça também foi procurado, mas ainda não se posicionou sobre o assunto.

Contexto. O acordo entre o governo e a bancada ruralista ocorre no momento em que o Palácio do Planalto busca votos para barrar a denúncia contra o presidente Michel Temer no Congresso. Márcio Santilli, sócio fundador do Instituto Socioambiental (ISA), criticou a possibilidade de a MP ser, de fato, publicada.

“Temer faz um bom negócio, pagando em terras indígenas pelos votos com que a bancada ruralista promete. O objetivo é legalizar crimes alheios para blindar os próprios”, declarou. “Ainda por cima, promete fazê-lo por medida provisória, com efeitos nefastos imediatos e nenhum diálogo com os povos indígenas. É bom lembrá-los de que a Constituição determina que as terras indígenas são bens da União, atribuindo aos índios a sua posse permanente. Se os índios abrem mão dessa posse, o que sobra?”, questionou.

O Greenpeace lembrou que a exploração de terras indígenas por terceiros para a produção agropecuária é proibida por lei.  “Rifar o meio ambiente e os direitos sociais para se manter no poder virou prática comum no governo Temer, gerando uma enorme lista de retrocessos que já fazem dele o pior presidente da história para a área socioambiental”, declarou por meio de nota o coordenador de políticas públicas do Greenpeace Brasil, Márcio Astrini. “É uma aberração ver o próprio Presidente da República tramar com parlamentares contra a Constituição Brasileira. Neste momento, os direitos conquistados pela sociedade estão sendo negociados num enorme balcão de negócios, na tentativa de salvar o mandato de Temer.”

A Funai foi procurada pela reportagem, mas ainda não se manifestou oficialmente sobre o assunto.

Gado em terra indígena. No ano passado, a série de reportagens Terra Bruta, publicada pelo Estado, revelou que, embora seja proibido criar gado em área indígena, fazendeiros já têm mais de 93 mil cabeças de gado na terra indígena dos javaé e carajás, na Ilha do Bananal (TO).

Relatos dos indígenas davam conta de que a tribo recebia de R$ 30 mil a R$ 40 mil por ano para não impor resistência. O dinheiro, rateado entre 15 fazendeiros, era repassado aos índios em duas parcelas.

Há mais de cinco décadas, fazendeiros chegaram para ocupar as terras da região. No fim dos anos 1980, auge das invasões, cerca de 11 mil não-índios viviam na ilha, com 300 mil cabeças de gado se alimentado de pastagens nativas. Pressionada por organizações ambientais e sociais, a Funai fez uma série de operações nos anos 1990, reduzindo o número de não-índios e a criação de bois.

Em maio de 2008, a Justiça Federal deu um basta à situação. Àquela altura, havia mais de 200 pecuaristas na ilha, donos de 100 mil cabeças de gado. Eles receberam um prazo de 30 dias para retirar os animais. A sentença foi cumprida. Depois de décadas, a ilha voltava a ser dos índios. Mas, nos meses seguintes, voltou a ser invadida.

Em outubro de 2009, porém, o Ministério Público Federal no Tocantins costurou uma decisão à revelia da lei federal. Foi selado “termo de compromisso” para permitir que o gado voltasse à Ilha do Bananal por meio de um “sistema de parceria entre indígenas e criadores não índios”. A Funai se negou a assinar. Na época, o MPF argumentou que “a prática, embora ilegal, constituía fonte de subsistência a inúmeros membros das comunidades indígenas javaé e carajá e sua interrupção acarretou situação de carência econômica e alimentar a essas comunidades”.

O retorno dos fazendeiros determinava que a quantidade máxima de bois na ilha era de 20 mil cabeças. Em outubro de 2015, a Agência de Defesa Agropecuária do Tocantins divulgou dados de uma campanha de vacinação, que evidenciaram o desrespeito à lei. A agência “celebrou” um recorde de imunização de 93.243 bovinos, quase cinco vezes o total permitido. Em 2014, o número havia sido de 75.185 cabeças vacinadas contra febre aftosa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.