Governadora do RN paga R$ 5 milhões por respiradores que não foram entregues

*Por César Santos – JORNAL DE FATO

Em 22 de abril deste ano, às 16h16, a governadora Fátima Bezerra (PT) colocou a sua assinatura no contrato do Consórcio Nordeste com a empresa Ocean 26, sediada em Los Angeles (EUA), para aquisição conjunta de respiradores para abertura de leitos de UTI na rede de saúde pública dos estados nordestinos. O contrato no valor de R$ 49 milhões teve a participação antecipada do Governo do RN com R$ 5 milhões.

Quase dois meses após, o Rio Grande do Norte não recebeu os aparelhos nem o dinheiro foi devolvido. O prejuízo está configurado, embora o governo Fátima acredite que os recursos públicos serão recuperados via Justiça.

A notícia foi dada em primeira mão pelo jornalista Dinarte Assunção, do Blog do Dina, que antes ouviu a versão do Governo do Estado. Por meio de assessoria de comunicação, o governo defendeu a boa-fé de sua ação e afirmou ter agido para, em tempo hábil, obter equipamentos necessários ao enfrentamento do novo coronavírus.

A reportagem de Dinarte Assunção revela que a transação de quase R4 50 milhões foi celebrada entre o Consórcio do Nordeste com a empresa cujo CEO é Jack Banafshesha, que foi pivô de suspeita de corrupção no São Paulo Futebol Clube em 2015. “Coube ao Governo da Bahia, que preside o consórcio, recolher o dinheiro de todos os estados e negociar com a empresa de Jack”, afirma.

Detalhes da milionária transação foram revelados na reportagem. “Os equipamentos seguiriam uma rota da China à Miami e, de lá, ao aeroporto de Recife/PE, tudo isso ainda em abril. Na prática, os equipamentos que foram entregues não foram os 300 contratados, e os que vieram tinham um defeito em suas válvulas que comprometiam a utilidade dos respiradores.”

Os nove governadores nordestinos denunciaram o possível “calote” quando perceberam que a Ocean 26 estava protelando a devolução dos recursos públicos.

“Sem alardes, os governadores tentaram saber imediatamente se os equipamentos entregues defeituosos poderiam ser consertados. Como lhes foi entregue uma negativa pela própria empresa, a Bahia cancelou o contrato e o Consórcio Nordeste se antecipou denunciando o caso a órgãos como a Polícia Federal”, narra o jornalista Dinarte Assunção.

O caso chegou ao Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN), encaminhado pela Procuradoria Geral do Estado. Uma investigação está em andamento, embora o MP não se pronuncie abertamente sobre o caso.

O que chama a atenção é que os governadores do Nordeste evitaram falar sobre o caso publicamente, mesmo se tratando de recursos públicos e uma quantia bastante elevada de quase R$ 50 milhões.

Polícia Federal investiga em vários estados

Antes mesmo da Ocean 26, de Jack Banafshesha desaparecer com os milhões de reais dos cofres dos nove estados do Nordeste, o jornalista Dinarte Assunção havia chamado a atenção para o contrato com valores fora da realidade do mercado naquele momento. No dia 16 de abril, reportagem publicada no Blog do Dina, revelou que os governadores nordestinos estavam comprando respiradores pelo preço unitário de R$ 167 mil, quando era possível encontrar no mercado por até R$ 52 mil.

Provocado pela reportagem, o governo Fátima Bezerra justificou, à época, que o alto valor era consequência da demanda internacional pelo aparelho.

O jornalista Dinarte, em seu material, chamou a atenção, naquele momento, que “as compras antecipadas de respiradores, com consequente atrasos e riscos de não serem entregues, já virou caso de polícia Brasil afora”, mas o governo estadual não levou em consideração.

O caso envolvendo o Consórcio Nordeste e a Ocean 26 ganha repercussão no momento em que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal realizam uma série de operações sobre indícios de corrupção com os recursos destinados para o enfrentamento do novo coronavírus. Nesta terça-feira, 26, o governo do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), foi alvo da operação Placebo. Há indícios e farto material que indicam crime contra o cofre público.

No Ceará, do governador Camilo Santana (PT), a Polícia Federal e o Ministério Público Federal detonaram a operação Dispneia para investigar superfaturamento na compra de respiradores.

Em São Paulo, o governador João Doria é acusado de pagar US$ 44 milhões (mais de R$ 242 milhões) antecipadamente por respiradores pulmonares da China, cuja entrega deveria ter sido iniciada em abril. Até agora, apenas 50 equipamentos de 3.000 contratados chegaram a SP.

Governo diz que consórcio acionou órgãos civis e criminais

Governo do Rio Grande do Norte enviou esclarecimento ao Blog do Dina. Veja na íntegra:

“A aquisição de respiradores pulmonares para atender os estados nordestinos na pandemia da Covid-19 já é alvo de denúncia em nome do Consórcio Nordeste, pelo estado-líder, a Bahia, desde que foi sinalizada pela própria empresa a impossibilidade de entrega dos equipamentos em condições adequadas. Os órgãos civis e criminais competentes foram imediatamente acionados, no intuito de reposição dos valores pagos. No Rio Grande do Norte, a PGE/RN fez a entrega ao Ministério Público do Estado de toda a documentação que resultou no repasse, pelo Estado, para aquisição dos equipamentos.

A reversão contratual teve início a partir do momento em que a empresa responsável por realizar a perícia nos equipamentos informar sobre a constatação de falha nas válvulas e alertar que todas elas deveriam ser substituídas. Na incerteza de que o ajuste necessário ocorreria a tempo, o Consócio resolveu denunciar o contrato por descumprimento de cláusula. Por conseguinte, a empresa admitiu de forma definitiva a impossibilidade de sanar as inadequações e, com isso, optou-se pela quebra irrevogável do contrato.

A Bahia, estado a quem cabe capitanear a ações coletivas do Consórcio NE, publicou no seu Diário Oficial a rescisão do contrato, e anunciou medidas judiciais para ressarcimento dos valores, entre os quais sequestro de bens da empresa, entre outros.

Em nome da total transparência e publicidade de suas ações, o Consórcio Nordeste adiantou-se em comunicar a situação aos órgãos competentes e a solicitar o acompanhamento das ações com foco no ressarcimento, o mais breve possível, dos valores repassados. A aquisição desses equipamentos foi delineada com muito cuidado, atentando para o rigor da lei e o mais importante: no intuito de salvar o máximo de vidas possível, uma vez que a oferta de respiradores no mercado era a pior possível e não havíamos recebido, até aquele momento, os equipamentos prometidos pelo Governo Federal.”

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