Fragilidade de Dilma, Temer e Bolsonaro leva Congresso a papel de protagonismo

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A fragilidade política da segunda gestão de Dilma Rousseff (2015-2016) e do governo Michel Temer (2016-2018) aliada ao fracasso de Jair Bolsonaro (a partir de 2019) em montar uma base de apoio concreta levaram o Congresso a atingir um papel de protagonismo poucas vezes visto na história.

Além de consolidar a autonomia na parte legislativa —área por anos dominada pelos interesses do Executivo—, agora disputa com o governo a gerência do dinheiro federal para investimentos e custeio, foco do atual conflito entre os Poderes.

O político hoje apontado como primeiro-ministro informal, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), porém, rejeita as insinuações de que trabalhe para alterar a forma de governo. “Sou contra tratar de parlamentarismo”, afirma.

Colônia de Portugal até 1808, Império até 1889 e República desde então, o país teve duas precárias experiências assemelhadas ao parlamentarismo. A primeira foi no reinado de d. Pedro 2º, ocasião em que o monarca nunca deixou de ditar os rumos do país. A segunda se deu em um breve momento nos anos 1960 —setembro de 1961 a janeiro de 1963—, fruto de acordo que permitiu a posse de João Goulart.

Após a ditadura militar, que vigorou de 1964 a 1985, o país chegou a ensaiar a instituição do parlamentarismo na elaboração da Constituição de 1988, sob o comando de Ulysses Guimarães (1916-1992), mas pressão de José Sarney acabou por manter o presidencialismo.

Desde então, salvo alguns períodos específicos, o Congresso vinha caminhando a reboque dos interesses do Palácio do Planalto.

Em 2014, porém, começou a se fortalecer na Câmara o novo centrão —união de siglas médias como PP, PL, PTB, entre outras. O grupo era liderado por Eduardo Cunha (MDB-RJ), hoje preso. Ele se elegeu presidente da Casa no ano seguinte, derrotando o candidato de Dilma, Arlindo Chinaglia (PT-SP). O impeachment da presidente foi em 2016.

Nesse processo, Câmara e Senado passaram a ter protagonismo na pauta legislativa —aprovando ou rejeitando projetos contra os interesses do Planalto.

Também em 2015, e embalado nesse clima, o Congresso deu o primeiro passo para ampliar a autonomia na distribuição das verbas federais.

Até então o mecanismo funcionava da seguinte forma: a cada ano, ao analisar a proposta de Orçamento federal encaminhada pelo governo, deputados e senadores incluíam as chamadas emendas parlamentares, que são a destinação de parte da verba para obras e investimentos em redutos eleitorais.

O que ocorria é que o governo não era obrigado a cumpri-las, o que incrementava o toma lá dá cá. O Planalto só libera dinheiro para emendas em véspera de votações de seu interesse. Congressistas, por sua vez, só votavam a favor do governo mediante liberação da emendas.

A prática ficou marcada nas palavras do então líder do antigo centrão Roberto Cardoso Alves (1927-1996) na sua releitura de São Francisco de Assis: “É dando que se recebe”.

Em 2015, o Congresso aprovou emenda à Constituição tornando obrigatória a execução das emendas apresentadas de forma individual por cada um dos 594 deputados federais e senadores.

“O Orçamento impositivo é uma vontade que o Parlamento tinha havia bastante tempo”, afirma Mozart Vianna, secretário-geral da Mesa da Câmara por 25 anos.

Já em 2019, primeiro ano de Bolsonaro, foi aprovada nova alteração na Constituição, dessa vez para tornar impositiva a execução de parte das emendas coletivas, as apresentadas pelas bancadas estaduais.

Ao votar a proposta de Orçamento para 2020, deputados e senadores ampliaram seu poder. Eles incluíram como de caráter obrigatório a execução também das emendas apresentadas pelas comissões do Congresso e as definidas pelo relator, o deputado Domingos Neto (PSD-CE).

Traduzindo em números, dos cerca de R$ 137 bilhões da verba federal de livre aplicação em custeio e investimento no ano de 2020, um terço seria definido por deputados e senadores.

Bolsonaro vetou parte dessas medidas. O Congresso ameaça agora derrubar os vetos. Daí surgiu o impasse.

“No fundo não estamos discutindo nenhuma restrição do Orçamento do governo federal. Aprovamos o Orçamento do governo, adicionamos R$ 3 bilhões de pedidos extras dos ministros, que não vieram. Incluímos uma participação do Parlamento, além das emendas, que foi fruto do que foi votado e aprovado”, diz Maia.

Ele afirma apoiar o entendimento do governo de que, dos cerca de R$ 30 bilhões direcionados às emendas do relator do Orçamento, R$ 11 bilhões devem voltar para a alçada do Executivo.

O presidente da Câmara diz ainda que, em comum acordo com os técnicos do Legislativo, o governo enviará ao Congresso nos próximos dias projeto de aperfeiçoamento das regras do Orçamento impositivo.

Maia diz também que a crescente participação dos congressistas na definição dos rumos das verbas federais aproxima o Brasil da prática observada nos demais Parlamentos do mundo.

Para o fundador e secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, é natural a participação do Congresso na execução orçamentária, na teoria. Na prática, porém, ele aponta problemas.

“O que se tem visto ao longo de décadas é o mau uso das verbas, com a pulverização do dinheiro e uma enxurrada de recursos sendo mandada para os quintais eleitorais dos caciques do Congresso”, diz.

Além da pauta legislativa e do manejo orçamentário, a crescente autonomia do Legislativo tem permitido avanço em outras frentes corporativas. O fundão eleitoral de campanha criado em 2017 —R$ 2 bilhões— é o exemplo mais evidente disso.

Economista-chefe da Genial Investimentos e professor da PUC-Rio, José Márcio Camargo diz concordar que, assim como nas democracias maduras do mundo, o Orçamento federal, tendo sido aprovado, tem de ser impositivo.

Os problemas, afirma, está no atual engessamento das contas públicas —gastos obrigatórios, como pessoal, saúde e educação, consomem 95% do valor total— e na tentativa do Congresso de participar também da execução das emendas.

“Quem executa o Orçamento é o Executivo, não o relator do Orçamento. Isso é totalmente fora de propósito.”

Folha não conseguiu falar com Domingos Neto. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não se manifestou.

*Folha

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