Foro especial beneficia mais de 58 mil pessoas no país

Sessão do Congresso Nacional

Enquanto o STF (Supremo Tribunal Federal) discute a restrição do foro especial aos 594 deputados federais e senadores, a legislação brasileira garante a prerrogativa a pelo menos 58.660 pessoas, aponta levantamento feito pela Folha.

Autoridades que ocupam mais de 40 tipos de cargos em diversas áreas e níveis da administração pública têm hoje direito a tratamento diferenciado na Justiça. Ações que envolvem essas pessoas são enviadas diretamente a instâncias superiores.

A Constituição de 1988 definiu parte das funções que devem receber esse tratamento. Sob responsabilidade do STF, ficam, por exemplo, o presidente da República e membros do Congresso. Governadores e desembargadores têm seus processos levados diretamente ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).

As Constituições de alguns estados ainda ampliam o foro para comandantes de polícia e bombeiros, titulares de empresas públicas e vereadores.

O recorte mostra que São Paulo é a unidade da federação com o maior número de pessoas com foro —7.231 autoridades.

Os dados foram extraídos de 60 diferentes fontes oficiais, como Conselho Nacional de Justiça e portais de transparência municipais e estaduais.

“O foro não é uma proteção do parlamentar ou do agente público. É a proteção do sistema eleitoral”, diz Fábio Tofic, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). “É um mecanismo que impede que um juiz casse por via oblíqua o voto de milhares de pessoas. Apenas um órgão colegiado pode tomar uma decisão em processo criminal que afete a vida política do país.”

No caso de foro especial a agentes públicos não eleitos, como juízes, o princípio é garantir a isenção.
Na prática, porém, segundo avalia o presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Claudio Lamachia, o número elevado de pessoas com foro contribui para a morosidade da Justiça.

“O instituto do foro privilegiado tem que ser reduzido drasticamente para todos os agente públicos, sejam eles quem forem”, defendeu o presidente da OAB.

Para João Trindade, consultor legislativo do Senado e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, o número de autoridades com foro é descabido e as Constituições estaduais exageram. “Não faz sentido estender a todos os vereadores ou a categorias que nem de longe sofrem ameaça de perseguição.”

Luiz Guilherme Paiva, pesquisador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, diz que cabe ao Congresso redefinir para quais categorias o processo na primeira instância da Justiça poderia gerar um abalo institucional. Além disso, ele defende que cabe aos tribunais lidar com a quantidade de processos.

O problema, para o diretor-executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, é que os tribunais não estão preparados. “Aí você começa a produzir injustiças. Não vai julgar a tempo, vai prescrever crimes. Se a pessoa é inocente, vai ficar lá um processo pesando sobre ela. Se ela for culpada, terá um culpado livre, às vezes atuando na política, fazendo estrago”, afirmou.

Presidente da IACA (International Association for Court Administration), entidade que associa representantes do Judiciário de diversos países em busca de uma administração eficaz dos tribunais, Vladimir Passos de Freitas diz que um passo para a solução seria retirar da prerrogativa de foro os crimes que não estão ligados à administração pública, como acidentes de trânsito ou brigas.

Para ele, é grande a dificuldade de alterar a Constituição para limitar o foro, porque de um lado, quem se beneficia com a regra não quer mudanças e, de outro, o tema não desperta interesse e não mobiliza quem não tem problemas na Justiça. “A gente só vai sentir na pele o quanto isso é absurdo quando for vítima de uma pessoa que tem foro especial”, disse.

DISCUSSÃO EM DOIS PODERES

A restrição do foro é assunto em dois Poderes: está sendo discutida no STF e também na Câmara dos Deputados.

No Supremo, os ministros devem terminar de analisar ação que limita o alcance da prerrogativa para deputados federais e senadores no dia 2 de maio. Oito dos 11 magistrados que compõem a corte já votaram favoravelmente à restrição. Faltam apenas três votos para a conclusão do julgamento: dos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Para a maioria do Supremo, o foro especial deve valer apenas para crimes cometidos durante o mandato e que tenham relação direta com ele.

Na Câmara, a proposta que pretende restringir o foro especial está emperrada. Ela não limita os casos em que o foro é utilizado, mas sim que cargos teriam acesso a ele: presidentes da República (e vice), da Câmara, do Senado e do STF.

Aprovada no primeiro semestre de 2017 no Senado, foi votada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em novembro. Desde então, está estagnada.

Em dezembro, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criou uma comissão especial que deve dar seguimento ao processo.

Apesar de criada, a comissão não está funcionando. Segundo o relator, Efraim Filho (DEM-PB), a lentidão se deve ao fato de que nem todos os partidos indicaram mem-bros titulares.

“Algumas lideranças têm utilizado esse artifício para desacelerar a tramitação”, declara ele.

Leonardo Diegues , Carolina Linhares , Bernardo Caram e Angela Boldrini – Folha de São Paulo

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