Empresas aumentam frota própria e adotam frete flexível para se protegerem de greves de caminhoneiros

Caminhoneiros fazem paralisação na PR-170 nas proximidades da cidade de Rolândia, no Paraná Foto: FramePhoto / Agência O Globo

Aumento da frota própria, planos de contingência preparados e um relacionamento mais estreito com as transportadoras passaram a fazer parte da rotina das empresas desde a paralisação dos caminhoneiros de 2018, que se estendeu por dez dias e causou desabastecimento no país. Ao longo da última semana, a indústria acompanhou de perto os desdobramentos do movimento de bloqueios nas estradas, que teve impacto significativamente menor.

Para os empresários, porém, o risco de conviver com interrupções ao transporte se traduz em custos mais altos, além de danos à imagem do país no exterior.

A Predilecta, indústria de alimentos de grande porte com sede em Matão, no interior de São Paulo, está entre as empresas que mudaram sua estrutura logística desde 2018. Na época, transportava metade de sua carga em frota própria, hoje, o patamar é de 70%, considerado um ponto de equilíbrio. Desde então, ela comprou ao menos 60 caminhões, contando com um total de 250.

Bruno Trevizaneli, diretor do grupo, explica que ainda que não tenham ocorrido novas grandes paralisações, o custo da logística saltou e se tornou “um grande gargalo no país”.

—Nós ampliamos a frota. Todos os custos subiram, com combustível, seguro e o do próprio caminhão. Então, temos investido muito em ganho de eficiência — conta o executivo.

Um novo sistema de gestão de frota monitora o custo do quilômetro rodado. Além disso, a empresa aumentou a equipe de motoristas para que os caminhões possam circular sem interrupção. O rodízio de profissionais permite respeitar a escala de descanso desses trabalhadores e ampliar o uso dos veículos.

— Contratamos mais uns 50 motoristas, somando hoje perto de 320. Nós gostaríamos de comprar ao menos mais 15 caminhões, mas o preço médio saltou de R$ 380 mil, há um ano, para R$ 550 mil agora. E são modelos com oito meses de prazo de entrega. Há transportadoras comprando centenas de caminhões. É muita demanda, e a produção, como em todo setor automotivo, não está conseguindo atender — destaca Trevizaneli.

A GE Celma, empresa de revisão de motores aeronáuticos localizada em Petrópolis, conta com um plano de contingência para futuros bloqueios em estradas com o alcance do que ocorreu em 2018. Normalmente, turbinas e materiais chegam no aeroporto de Viracopos, em Campinas, e de lá, seguem pela malha rodoviária até Petrópolis. O plano de emergência prevê aluguel de aviões para trazer mercadorias diretamente ao Galeão, o que encarece o transporte.

— Estamos em estado de alerta para entender se haverá desdobramentos. Cerca de 95% dos motores que revisamos vêm de fora do Brasil, e muitas das peças que utilizamos também — conta Julio Talon, presidente da GE Celma e da Firjan Serrana.

A companhia faz a manutenção de motores de grandes companhias aéreas de passageiros e de carga. Qualquer atraso na entrega do equipamento significa pagamento de multas altas, além do leasing de motores para substituir os que estão parados no Brasil.

— Em 2018, tivemos motores prontos para ir embora que ficaram parados por uma semana. Um ativo de milhões de dólares parado em um posto de gasolina na Via Dutra — diz Talon, que afirma que esse tipo de situação gera prejuízos à reputação da empresa e do país no exterior.

Segundo o presidente da GE Celma, os clientes fora do Brasil têm uma “dificuldade muito grande” para conviver com essa insegurança, e as empresas acabam correndo o risco de perder contratos ou volume de serviços nesses momentos.

O diretor do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Estado do Rio (Sindlat), Antonio Carlos Cordeiro, afirma que as empresas do setor têm adotado tarifas de frete mais flexíveis.

— Observo mais cautela nas negociações de preço para não esticar demais a corda. As empresas acompanham de perto as flutuações no óleo diesel e procuram negociar. Em alguns casos, indexam automaticamente o quilômetro rodado ao preço do óleo diesel, o que não é desejável. Esse tipo de situação acontecia na época da hiperinflação, em que os preços mudavam todos os dias — conta Cordeiro.

Professor de Logística e Comércio Exterior do Ibmec e consultor em logística internacional, Silvio Montes afirma que muitos empresários passaram a aumentar estoques e a ter contratos de fidelidade com as transportadoras.

Com isso, em caso de paralisações ou protestos, a empresa possui a garantia contratual de que o serviço de transporte será prestado. O problema é que tudo isso representa custo adicional:

— As empresas passaram a criar estratégias de contingência para esses momentos, mas normalmente esperam até ter certeza de que a paralisação vai ocorrer para colocar em prática. Tudo isso atrapalha o planejamento e tem um custo muito alto. Comprar estoques maiores exige gastos maiores e aumenta a despesa com armazenamento, por exemplo.

Dependência de rodovias

Para os empresários, a dependência do Brasil do transporte rodoviário é um fator que atrapalha os negócios e faz com que o país fique vulnerável em caso de protestos.

— Hoje o transporte marítimo está com fretes elevados e com falta de contêineres. A maior parte está sendo usada nas exportações para a Ásia, que é onde tem mais demanda, e aí começa a faltar para o mercado interno. Além disso, falta maturidade no transporte de carga nos portos. A complexidade logística é muito grande, o que atrapalha o empresário. Mandar a carga de caminhão é mais fácil e barato — diz Montes.

Talon, da GE Celma, diz que o transporte rodoviário é fundamental para a companhia, que necessita de caminhões especiais para o transporte das turbinas. No entanto, avalia que uma malha logística mais diversificada ajudaria a tornar todo o sistema mais eficiente:

— Se a gente tivesse uma infraestrutura ferroviária melhor, isso atenuaria bastante os impactos das greves, o transporte rodoviário ficaria mais rápido e provavelmente mais barato, fazendo com que a indústria aumentasse sua competitividade.

O globo

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