Em meio à queda de popularidade e pedidos de impeachment, Bolsonaro abraça aos poucos política tradicional

Nomeação de Ciro Nogueira para o comando da Casa Civil sela aliança de Bolsonaro com o Centrão Foto: Cristiano Mariz

Entre a campanha eleitoral, quando chamava o Centrão de “alta nata de tudo que não presta”, e o momento de entregar a “alma do governo” ao grupo político, com a nomeação de Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil, o presidente Jair Bolsonaro foi gradualmente abrindo mais espaço à política tradicional, acossado por queda de popularidade e pedidos de impeachment.

No início do governo, a estratégia foi negociar diretamente com as chamadas “bancadas temáticas”, e não com partidos. As lideranças do governo na Câmara e no Congresso foram entregues a dois deputados de primeiro mandato, do mesmo partido do presidente, o PSL, à época: Vitor Hugo (GO) e Joice Hasselmann (SP), respectivamente. Além disso, o ministro da Justiça era o ex-juiz Sergio Moro, desafeto de diversos políticos.

A aproximação com o Centrão começou no segundo ano de gestão, principalmente com Nogueira e o atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Bolsonaro passou a ceder cargos do segundo escalão e fez mudanças nas lideranças. A aliança foi avançando até chegar à abertura das portas dos ministérios, neste ano. A mudança de postura, contudo, criou rachas na base.

Vice-presidente do PSL, o deputado Julian Lemos (PA) foi uma das figuras centrais da campanha de Bolsonaro em 2018, ao lado do ex-ministro Gustavo Bebianno, que morreu em março de 2020. A relação entre eles e o presidente foi rompida ainda nos primeiros meses da gestão. Para o parlamentar, Bolsonaro começou a se perder quando se afastou de quem estava ao lado dele na campanha para o Palácio do Planalto.

— Eu não critico deputados e senadores, como o Ciro, que estão no papel deles de conquistar espaço. Mas esse espaço poderia ter sido fortalecido com pessoas habilidosas que ajudaram o presidente e que hoje estão extremamente decepcionados e desacreditados. Todos foram jogados aos leões. Só ficaram os filhos.

O pedido de demissão de Moro — que alegou interferência na Polícia Federal (PF) — também marcou uma inflexão no discurso anticorrupção do governo. Meses depois, Bolsonaro indicou Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado teve o apoio do Centrão e agrada parte da classe política pelo discurso garantista, ou seja, alinhado prioritariamente às garantias da defesa.

Apoiador de Bolsonaro na eleição de 2018, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) cita que a mudança do posicionamento do governo se dá justamente após a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz, acusado de operar um suposto esquema de “rachadinha” no antigo gabinete do agora senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ)n a Assembleia Legislativa do Rio. Em junho de 2020, Queiroz foi localizado pela polícia no escritório do advogado Frederick Wassef em Atibaia (SP).

— Os esforços passam a não ser mais para aprovar as reformas e projetos, mas para a própria sobrevivência. Isso é agravado pela pandemia, com vários pedidos de impeachment e a popularidade caindo. Ao mesmo tempo, há um clima de final de festa, de aproveitar o governo para depois pular fora do barco da eleição.

“Altíssimo preço”

No fim do ano passado, Bolsonaro se engajou na campanha de Arthur Lira à presidência da Câmara, oferecendo cargos em troca de apoio. A articulação foi exposta pelo então ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que mandou uma mensagem em um grupo dos auxiliares do presidente acusando o então ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, de pagar um “altíssimo preço”, “nunca visto antes na história”, em troca de aprovações no Congresso. A mensagem custou a demissão de Álvaro Antônio.

Com a eleição de Lira, a aliança com o Centrão avançou. Dois ministérios foram entregues a deputados desse grupo: João Roma (Republicanos-BA) foi para a pasta da Cidadania e Flávia Arruda (PL-DF) para a Secretaria de Governo. Em paralelo, Bolsonaro se rendeu a pressões do Congresso e demitiu ministros como Eduardo Pazuello (Saúde), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Salles (Meio Ambiente).

O general Maynard Marques de Santa Rosa, que comandou a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) no primeiro ano de governo, minimiza o avanço da ala política.

— Para sobreviver, precisa de apoio. Quando você está sob pressão, você tem que tomar decisões — afirma, acrescentando que o governo estaria em uma situação de “inércia total” sem essas alianças.

Na avaliação de Kataguiri, as últimas nomeações apontam que o presidente ficou em uma situação frágil:

— Bolsonaro está refém do Centrão. Dar a articulação política para o Centrão mostra que ele está completamente dependente dessa base, e nem é para governar, mas para não ser derrubado.

No início do governo, quatro ministros eram parlamentares licenciados, todos deputados: Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Tereza Cristina (Agricultura), Marcelo Álvaro Antônio (Turismo) e Osmar Terra (Cidadania). Com a chegada de Ciro Nogueira, o número passou para seis: Fábio Faria (Comunicações), Flávia Arruda, além de Roma, Onyx e Tereza.

O Globo

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