Consórcio do DPVAT deve ser extinto e devolver dinheiro para o consumidor, diz associado

Proprietário da Gente Seguradora, o empresário Sérgio Suslik Wais defende a dissolução do consórcio que gere o DPVAT, o seguro obrigatório para proprietários de veículos, e a migração para um sistema de competição, no qual o consumidor escolhe de quem comprar o produto.

A Gente é uma das associadas do consórcio, que passa este ano por uma debandada inédita em sua história, em meio a denúncias sobre fraudes e má gestão da Seguradora Líder, responsável por administrar o DPVAT.

É parte do grupo de seguradoras “independentes”, que participam do consórcio mas não do acordo de acionistas da Líder. Tem 1% de participação, mas é a empresa que mais recebe processos do DPVAT entre as associadas, com 21% do total.

Wais vê na debandada uma estratégia dos controladores para se desvincular das acusações, que são investigadas pelo Ministério Público Federal de Minas Gerais e critica a falta de ação das empresas que controlam o grupo.

Para ele, o governo deveria forçar a devolução ao consumidor do excedente de reservas técnicas do DPVAT. São cerca de R$ 4,4 bilhões, que a Procuradoria diz que resultam de fraudes. “Precisa investigar, punir os responsáveis e devolver o dinheiro para o consumidor.”

Por que as empresas estão abandonando o consórcio? A grande maioria das companhias de seguro não recebe sequer um processo de DPVAT, estão lá para ganhar dinheiro. A empresa não coloca dinheiro, não trabalha e recebe. Imagino que essa ação do Ministério Público Federal é apenas uma ação inicial. Tem uma série de crimes apontados por outros órgãos. Isso em algum momento vai bater nas pessoas e haverá condenações.

Em 2019, o governo reduziu bastante o valor do seguro. Isso pode ter influenciado? A decisão teve o objetivo de reduzir o valor da reserva excedente. Mas é incorreta, porque acaba iludindo o consumidor. O valor do seguro não é esse. O governo está dando uma compensação porque cobraram R$ 4 bilhões a mais e o STF não permitiu que esse dinheiro voltasse para o consumidor. Mas o problema é que esse assunto deveria ser tratado de forma criminal. Precisa investigar, punir os responsáveis e devolver o dinheiro para o consumidor.

O consórcio consegue funcionar após a saída de tantos associados? Muito difícil, mesmo que a Seguradora Líder diga que sim. Só tinha 10 ou 12 companhias que realmente recebiam os processos [de sinistros do DPVAT]. Não adianta cobrar [o seguro] e não ter como atender. A Líder diz que tem pontos de venda pelo país, mas isso é conversa. Mais do que isso, a credibilidade está completamente abalada pelas investigações do Ministério Público Federal.

Qual seria o caminho? Na minha opinião, não existe alternativa: em 31 de dezembro tem que acabar o consórcio e o consumidor passar a poder escolher sua companhia de seguro. A Líder tem que fazer a liquidação dos 400 e tantos mil processos [de sinistros] e depois ser extinta.

O que aconteceria com os mais de R$ 4 bilhões da reserva excedente? Teria que ir para ao segurado ou para o governo. Eu acho que é o mais correto. Se a Susep continuar fixando preço tão baixo, vai aumentar o problema, porque o consumidor vai ficar com a ideia de que o seguro custa isso. O governo não baixou nada, está só utilizando o dinheiro que foi cobrado a mais lá atrás para cobrir o custo do seguro. Na minha opinião é uma injustiça pegar e não devolver ao consumidor. Cobrou a mais, devolve.

A gestão da Líder diz que tem se esforçado para reduzir custos e combater fraudes. O sr concorda? Não vou entrar nesse mérito porque isso cabe à Justiça e à Polícia. Mas o mínimo que cometeram foi ocultar até hoje essas questões todas da sociedade. Mesmo não praticando crime, acaba sendo conivente, ao ocultar. É só ver a ação da Procuradoria, tudo é muito claro.

O sr tentou fazer algo? Outros associados tentaram? Claro. Mas não conseguimos. O acordo de acionistas dava amplo mando ao primeiro grupo [de acionistas que controlavam a empresa]. Eu não era nem do acordo. Grande parte das companhias deixavam rolar e continuavam recebendo o dinheiro. Uma companhia de porte pequeno não tem o acesso à mídia que as grandes têm. O que fizemos? Criamos uma newsletter para ir às redes sociais denunciar.

Como funcionaria o DPVAT em um mercado competitivo? Na hora de pagar o DUT [documento único de transferência, pago em operações de compra e venda de veículos], o consumidor escolhe a seguradora e o corretor. Em vez de ir na Seguradora Líder, você escolhe a seguradora, já imprime o boleto com o nome da seguradora. Num segundo momento, a Susep deveria liberar uma faixa de preço para premiar a eficiência. Quem tem custo menor pode cobrar menos. É competição.

E quem pagaria os sinistros com veículos não identificados [quando o motorista foge, por exemplo]? Se a decisão é continuar a pagar para o veículo não identificado, o que é um elemento de fraude e gera distorção, pode-se criar um fundo para isso. Cada companhia contribui com um valor do recebido do segurado e, chega no fim do ano, ou a cada trimestre, e faz a compensação. Originalmente, o consórcio [do DPVAT] deveria ser criado somente para administrar esse fundo, mas depois decidiram administrar todo o seguro para monopolizar. Foi uma pedalada.

Folha SP

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