CNBB faz eleição em meio a tensões

Odilo Scherer

Nem o seio da Igreja Católica escapa às consequências da polarização política que culminou na eleição do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e na ascensão do pensamento conservador no Brasil.

Refletindo o clima de divisão, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) elegerá, no início de maio, sua direção para os próximos quatro anos em meio a uma disputa entre as alas consideradas conservadora e progressista.

A 57ª assembleia geral levará cerca de 500 bispos a Aparecida (SP)para escolher a nova cúpula da entidade mais poderosa da igreja no país (onde 50% da população é católica, segundo o Datafolha).

O comando hoje está com o grupo tido como progressista, que acumulou desgastes recentemente por gestos considerados anti-Bolsonaro.

O levante conservador no país, cristalizado no resultado das eleições de 2018 tanto no Executivo quanto no Legislativo, impulsionou a campanha por uma guinada na CNBB, com a escolha de uma coordenação mais alinhada aos novos tempos.

Entre os líderes que vêm despontando nos bastidores como candidatos fortes estão os arcebispos de São Paulo, dom Odilo Scherer, e do Rio, dom Orani Tempesta.  Joelmir Tavares – Folha de São Paulo

Dom Odilo mantém relação estreita com governos do PSDB e se aproximou de João Doria tanto na fase dele na Prefeitura de São Paulo quanto como governador.

Dom Orani, que se encontrou durante a campanha presidencial com Bolsonaro e com o então candidato Fernando Haddad (PT) e posou com Wilson Witzel (PSC) na posse dele como governador do Rio, era outro em alta.

Perdeu força, porém, depois que seu nome apareceu na Lava Jato, em fevereiro. O ex-governador Sérgio Cabral (MDB) disse que o religioso “devia ter interesse” em suposto esquema de propinas numa organização social ligada à igreja.

O arcebispo negou envolvimento no caso. Refutou também, por meio de sua assessoria, a hipótese de disputar cargo de direção na CNBB.

Procurado, dom Odilo não se manifestou. Segundo interlocutores, ele não concorrerá.

Há ainda a possibilidade de que o poder vá parar nas mãos de bispos da ala moderada, que é majoritária na instituição e poderia entrar em cena para evitar uma radicalização.

“Um grupo claramente moderado poderia construir unidade interna, sem abandonar a linha de compromisso social da igreja, mas sendo capaz de dialogar com as novas forças políticas no poder”, diz o professor Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador no Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Na eleição, qualquer bispo pode, em tese, se candidatar para os cargos da linha de frente: presidente (função mais institucional), vice e secretário-geral (visto como quem realmente manda, por administrar o dia a dia).

O atual presidente, cardeal Sergio da Rocha (no cargo desde 2015), e o secretário-geral, dom Leonardo Steiner (no posto desde 2011), são vistos como parte da corrente progressista —pecha que refutam.

Encerram os mandatos sob bombardeio de grupos atrelados ao fenômeno Bolsonaro, para os quais a CNBB virou sinônimo de esquerdismo.

Bernardo Küster, youtuber do Paraná que goza da simpatia do presidente da República, é um dos que vocalizam as principais críticas à entidade. Seus vídeos acumulam milhões de visualizações.

Dom Leonardo põe panos quentes nos rumores de disputa entre os dois grupos internos. “Não sei se é tão fácil classificar as diferenças entre progressistas e conservadores”, afirmou, por email.

“Existem diferenças de compreensão eclesiológica e, por isso, de atuação na sociedade. As diferenças não nos atrapalham! Quanto mais pressão ‘de fora’, mais comunhão.”

Desde que Bolsonaro assumiu, o cenário é tenso. A CNBB já emitiu nota contra a reforma da Previdência proposta pelo governo. Organismos ligados à conferência confrontam medidas do Planalto.

O Cimi (Conselho Indigenista Missionário), por exemplo, condenou mudanças no processo de demarcação de terras indígenas. A Pastoral Carcerária demonstrou preocupação com o pacote anticrime do ministro Sergio Moro.

Consultados pela Folha, acadêmicos que acompanham a CNBB não souberam dizer se uma direção mais conservadora interromperia eventuais críticas a políticas do governo que tenham impactos sociais.

Para os entrevistados, no entanto, é certo que haveria uma convergência entre igreja e Estado em pautas de costumes, como os discursos contra o aborto e o casamento gay, além da defesa da família.

Um ponto de atrito pode ser a onda de ataques ao papa Francisco que floresce nas hostes bolsonaristas.

A ação coordenada tem sido incentivada por Steve Bannon, americano que foi estrategista da campanha de Donald Trump e é conselheiro da família Bolsonaro.

O escritor Olavo de Carvalho, guru do clã, é outra voz contrária a Francisco. Já disse que “esse homem está do lado de lá” e “é um inimigo”. Na ótica dos ideólogos, o pontífice propaga ideais comunistas —e a CNBB, em consonância, agiria assim também.

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