Ditadura bancou conservadores contra modernização da igreja

LOCAL E DATA DESCONHECIDA: O bispo Dom Geraldo Sigaud. (Foto: Folhapress)

A ditadura brasileira bancou a viagem de conservadores católicos a Roma para que fizessem lobby contra a modernização da Igreja nos anos 1960. É o que indica documento descoberto pelo historiador americano Ben Cowan, da Universidade da Califórnia, em San Diego (EUA).

De acordo com o pesquisador, o então arcebispo de Diamantina (MG), dom Geraldo Sigaud, escreveu em carta que o Ministério da Aeronáutica pôs passagens aéreas a sua disposição para que levasse à Itália integrantes do grupo católico Tradição, Família e Propriedade.

A missiva, arquivada na arquidiocese de Diamantina, era endereçada a Plínio Corrêa de Oliveira, líder da TFP, e datada de 1º de setembro de 1965, menos de um ano e meio após o golpe militar.

Ocorria em Roma o Concílio Vaticano 2º, que se encerraria ao final daquele ano. O encontro pretendia atualizar a Igreja. Sua repercussão mais conhecida foi flexibilizar o uso de latim nas missas. As informações são de Rodrigo Vizeu, da Folha de São Paulo.

Sigaud, morto em 1999, estava entre os católicos tradicionalistas que temiam influências esquerdistas na instituição. Além da TFP, tinha a seu lado dom Antônio de Castro Mayer, bispo de Campos (RJ), morto em 1991.

Os bispos brasileiros tiveram proeminência em um grupo internacional que queria brecar as mudanças.

“Dom Geraldo, dom Antônio e a TFP são ícones fundamentais da reação conservadora ao concílio”, diz Cowan, que apresentou sua pesquisa sobre a direita religiosa brasileira em simpósio na semana passada organizado por Fundação Getulio Vargas, Pontifícia Universidade Católica-RJ e Universidade Brown.

Os religiosos encontrariam um aliado natural no regime que se instalava com retórica anticomunista.

À carta citada pelo historiador americano se soma outra encontrada pelo brasileiro Rodrigo Coppe Caldeira, professor de Ciências da Religião da PUC Minas.

No dia seguinte à mensagem enviada ao amigo Plínio, da TFP, o arcebispo mineiro escreve para o ministro das Relações Exteriores, Vasco Leitão da Cunha.

Afirma que sua atuação era no sentido de aprovar documentos que “facilitem aos governos como o do Brasil a prosseguirem em sua luta contra a tirania comunista”.

“O ministro da Aeronáutica pôs à minha disposição quatro passagens pela Varig”, afirma o arcebispo. Em seguida, pede que o Itamaraty autorize a companhia aérea a fornecer os bilhetes.

O religioso continua: “Peço que Vossa Excelência, cumprindo o que me ofereceu o sr. ministro, me facilite a viagem de meus secretários”.

Depois, exalta o Itamaraty por “recolocar o Brasil naquela rota que corresponde à nossa condição de país católico e amante da liberdade e da justiça”.

Cowan afirma não ter os registros do pagamento, mas diz que que os auxiliares foram a Roma.

Lá, o grupo conservador internacional obteve algumas vitórias. Sigaud falhou, porém, na articulação para que a reunião registrasse repúdio direto ao comunismo.

Cowan diz que as comunicações do arcebispo reforçam o conhecido elo entre parte da Igreja Católica e o regime, sobretudo em seu início.

A Sigaud, por exemplo, é atribuída a frase “confissões não se conseguem com bombons”.

A estratégia de aproximação se explicava pelo inimigo comum, a Teologia da Libertação, movimento forte na América Latina que acabaria condenado pela Santa Sé. Era visto como marxista.

Como resultado da proximidade com a ditadura, o tradicionalismo católico conseguiria no período acesso ao poder e ao debate público desproporcional ao número reduzido de clérigos que o apoiava.

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