‘A minha garantia era Lula’, diz Mônica Moura em delação

Ao relatar que tomou “cano” da Andrade Gutierrez e de Nicolás Maduro, atual presidente da Venezuela, na campanha que reelegeu Hugo Chávez em 2012, a empresária Mônica Moura foi questionada como fazia as cobranças de valores acertados por meio de caixa dois sem contrato formal. Ela disse que a garantia era o ex-presidente Lula e que o marido, o marqueteiro João Santana, chegou a pressioná-lo para receber valores nunca pagos. Lula teria pedido calma, disse ela.

— A minha garantia era Lula. Eu confiava muito em Lula, que ele ia resolver. E no nosso próprio trabalho, que foi crescendo de uma maneira que…

De forma mais específica, a investigadora pergunta como exatamente Mônica falava com o executivo da Andrade Gutierrez, que arcou com uma parte da campanha de Chávez por caixa dois, na Venezuela:

— Já cheguei a ameaçar: “Gente, se vocês não me pagarem eu vou ter que conversar no Brasil, quem me chamou para cá foi o presidente Lula. Ele não era presidente na época, mas sempre chamei Lula assim. Vou ter que conversar com ele porque não dá”. As informações são de O Globo.

A procuradora questiona, então, se Lula chegou a ser acionado sobre o assunto:

— O João cobrou, várias vezes. Chegava para ele e conversava. Já tinha acabado a campanha. Chávez foi eleito. Nós estávamos sendo incensados pela mídia venezuelana como os melhores não-sei-o-quê. E o dinheiro não saía (…) O João, uma vez, conversou com Zé Dirceu, que saía fora, dizia que não tinha nada a ver com financiamento, ‘só fiz a intermediação’. João conversava com Lula: ‘Não, se acalme, vou conversar com o presidente Chávez, isso vai ser resolvido’.

Seis meses depois, Chávez morreu, deixando um “cano de mais ou menos 15 milhões de dólares”, afirmou Mônica. Maduro, que mandava buscá-la de carro blindado para entregar “malas de dinheiro”, ainda conforme a empresária, tornou-se presidente e nem retornava mais as ligações dela. A Andrade Gutierrez só teria pago US$ 2 milhões de uma dívida apontada como US$ 5 milhões, numa primeira declaração de Mônica, e depois US$ 4 milhões.

— Sucesso por um lado e um fracasso financeiro retumbante — lamenta a empresária, ao falar da campanha que reelegeu Chávez com vantagem ampla.

Ontem, o relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, quebrou o sigilo da delação do marqueteiro João Santana, da mulher dele, Mônica Moura, e do assessor do casal, André Santana. Nesta sexta-feira, foram divulgados os vídeos dos depoimentos.

Nos depoimentos de delação premiada, Santana e Mônica relataram que eram comuns os atrasos nos pagamentos de recursos oriundos de caixas dois. O casal trabalhou em 2006 na campanha de reeleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As reclamações eram feitas primeiramente por Mônica Moura ao ex-ministro Antonio Palocci. Se, após várias tentativas, os atrasos persistiam, era hora de recorrer ao que eles chamaram de “última instância”.

– Quando a coisa apertava muito, eu já tinha cobrado de Palocci várias vezes. E não saía, emperrava. Aí João ia para a última instância, como a gente brincava lá. Vamos chegar à última instância – afirmou Mônica Moura, numa referência a Lula

Ela disse que nunca tratou pessoalmente com Lula de pagamentos por meio de caixa dois. Mas também contou que Palocci sempre falava que as decisões seriam tomadas pelo “chefe”.

– Ele (Lula) sabia os valores totais, sabia o que era por dentro, o que era por fora. Sabia. Era ele que decidia. Várias vezes eu ouvia essa frase: não posso resolver isso não, tem que falar com o chefe – disse Mônica.

O relato da empresária mostra que receber dinheiro de caixa dois nem sempre é uma tarefa fácil. Ela contou que, em 2006, queria que os pagamentos da campanha de Lula ocorressem em Brasília. Mas não teve jeito. Juscelino Dourado, assessor de Palloci e responsável por repassar dinheiro vivo a Mônica, dizia que isso seria possível apenas em São Paulo. Assim, a cada ida à cidade, Juscelino lhe entregava uma parte do dinheiro. Eram R$ 100 mil num dia, R$ 200 mil em outro, às vezes R$ 300 mil. De pouquinho em pouquinho, e após mais visitas do que queria ao aeroporto, ela obteve R$ 5 milhões.

– Eu lembro que eu queria que ele me pagasse em Brasília porque ia facilitar minha vida, porque todo o trabalho era feito lá. Ele falou que não tinha condições de ir a Brasília. Então eu tinha que ir a São Paulo. Eu ia praticamente toda semana para São Paulo nessa época de recebimento de dinheiro. Isso durou julho, agosto, setembro. Eu fui várias vezes a São Paulo me encontrar com Juscelino. Porque, claro, esses R$ 5 milhões que foram pagos em dinheiro foram pagos parceladamente. Era de 200, 300, 100, eram valores assim, até chegar essa valor – disse Mônica.

Ela afirmou ainda que os pagamentos eram feitos numa casa de chá do shopping Iguatemi, por ser um lugar reservado, embaixo de uma escada rolante.

– Nós inauguramos nossos encontros nessa casa de chá que tem, existe até hoje a casa de chá, num local bem reservado, fica embaixo da escada rolante – disse ela, fazendo gestos com a mão em que simula uma escada.- Ele (Juscelino) marcou comigo lá. Eu fui. Na primeira vez me entregava dinheiro em sacola. Sempre vinha condicionado de uma forma como se fosse um presente, uma compra, um sapato ou uma coisa assim. Então eu recebia toda vez que eu encontra com ele, eu recebia esse dinheiro – acrescentou.

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